Natália

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Pegou o telefone. Já se passara três anos, mas ainda lembrava o telefone
de cor. Era seu endereço antigo, primeiro o prédio, depois o apartamento. Não,
não era por isso que lembrava. Lembrava-se bem sempre de detalhes, mas não se
lembrava do apartamento de antes deste. Nem do seguinte, pensando bem.
Lembrava era do telefone dela. O telefone deles, um dia. Seu telefone. O telefone

de sua casa.

Tinha que ligar. Não entendia em o porquê, mas tinha que ligar, sabia que

no fundo era por...

Por...

Pelo que?

Sim, você mesmo, por quê?

Não, isto não é um joguinho. É com você mesmo que está lendo. Por quê?

Como assim? Não, você sabe, em algum lugar, do que estou falando. Não
me venha com pensamentos de jogo de palavra, dialética, ou tipo de literatura.
Estou falando com o seu diafragma, sim, aquele que não funciona direito quando
você fica nervoso. Talvez ele esteja assim agora, provavelmente não. Deve ainda
estar achando que é um joguete.

Não, isso não é um jogo. Quero que você me responda. Não me interessa
que eu seja o autor. Nem que o personagem seja fictício. Você sabe, não é. Na sua
cabeça sou eu. Sim, o autor colocando suas neuras para fora. Sempre é o que esta
nova geração pensa. Não está mais acostumada à literatura, me parece. Tudo tem que ser um blog, um reality show, uma verdade encoberta por mentiras. Tem que
ser eu.

Que tal assumir que não é nada disso? Que tal pensar que, por menor que
tenha sido este parágrafo e uma frase, que você tenha se identificado com ela?
Que em algum lugar, você pensou naquele seu caso que tem algo de parecido.
Pois sempre tem algo de parecido. As histórias nunca são diferentes assim.
Sempre são duas pessoas, ok, já se fora o tempo em que se necessariamente
eram um homem e uma mulher, mas sempre duas pessoas. Com algo não
resolvido. Pelo menos, na cabeça de um deles.

Provavelmente, você que está lendo isto. Senão, já estaria com o telefone
na mão, ligando, e não gastando o tempo com linhas onde só quer ver um espelho
do que poderia ter feito e tentar adaptar algum final feliz com o seu.

Nem todos os finais são felizes. Nem todos os finais são tristes. Nem todos
os gatos vencem seus ratos. Nem todos os textos são autobiográficos.

Li há pouco tempo em um livro que somente soltando todas suas amarras,

você realmente se sente livre e feliz. Talvez seja isso que está te acontecendo.

Algum nó, talvez dois fios de cabelo, amarrados e te prendendo a algo que acha

mal resolvido. Senão, já teria me largado na primeira vez que falei isso, e

aparentemente não resolveu, não?

Agora continue a ler, já que está por aqui, mas tente deixar seus
preconceitos de lado. Deixe-se de lado. Realmente, várias histórias daqui se
encaixarão em qualquer ser vivo, seja indiano ou brasileiro, ateu ou evangélico.
Não que nada se crie nada se perca, e que tudo se copie, mas que todos são
parecidos. O mundo mudou muito para nós não mudarmos nada. Pare de usar
frases feitas, como ͞A voz do povo é a voz de Deus͟, e logo depois, em outra
ocasião, ͞Toda unanimidade é burra͟, sem ver que são frases contraditórias. Não
confunda ética com éter. Você ou eu, com isto.

Continuando. Sabia que devia ligar. Não sabia por quê. Mas sabia que estava solitário. E
é solitário estar só. Muito solitário estar realmente só. Só quem está pode dizer
algo. Quando numa multidão, ainda se sente só.

Discou, sem pensar muito. Talvez se lembrando daqueles bons dias em...

E agora, vai responder? Pois aparentemente nada disso fez você ver que
está ainda se vendo. Só se prende um leitor quando ele se vê no texto, vê algo

seu.

Ok, você não vai largar mesmo. Vamos nesta, então. Quem sabe no fim,

eu aprendi a escrever e você a ler. A esperança é a ultima que morre. E quem não
arrisca tem cem por cento de chance de errar. Quem falou foi Walt Disney. Aquele

que se congelou parar ressuscitar no futuro. Não arrisca é porque perdeu as

esperanças.

Merda, me contradisse.

Aqui vão algumas histórias que ocorreram, ou que ocorrerão, ou que
somente servirão para nós vermos algo que não queremos ver. É este um dos

grandes objetivos da literatura, não? Encontrar o nosso sentido, alguma razão.

Solte as amarras. Vamos voar. Vamos andar.

E aí, quem sabe, um dia, eu escreva uma canção pra você.

Ou um conto, quem sabe?

::paulo marinho::

Por uma vida menos ordináriaحيث تعيش القصص. اكتشف الآن