Introdução

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O que te deixa vivo?

Essa foi uma pergunta que guardei num envelope durante quinze anos. Fiz

o que muitos já devem ter pensado em fazer a si mesmos: deixei um envelope

guardado para mim mesmo pela metade de minha vida.

E o abri. E o li. Muitas das coisas que lá estavam não existem mais. A
primeira paixão, a dúvida do primeiro trabalho, a dúvida de como seria a vida. As

dúvidas continuaram, mas a vida transformou muitas dúvidas em ofuscas
certezas.

Mas uma pergunta continuou: o que te deixa vivo?

Biólogos podem falar de coisas como o coração, o cérebro, o contínuo.
Mas isto me mantém vivo. O que me deixa vivo?

Entre um pensamento e outro, me manquei que uma pergunta é o porquê

, e outro o que.

Durante os idos do início do século 21, descobri uma almágama dentro de
mim. Algum monstro queria sair. A faceta do romantismo já nascera em épocas
de bandas de rock, mas havia mais.

Um monstro, já pensava. Cheio de som e fúria. Um demônio nascido da
realidade do Rio de Janeiro, de amigos mortos, de realidades abstratas, de um dia

a dia que mais pareciam uma obra de David Lynch, ou pior.

Quanto Paulo, Tommy e Caim se encontraram, nascera um equilíbrio
nefasto. Um via a realidade nua e crua, outro sonhava, outro vivia a realidade do dia a dia. Um sentia o coração, o outro o via em carne viva, o outro o via
dilacerado com uma bala perdida.

E as três personalidades sobrevivem até hoje, como em uma pessoa deste
Brasil brasileiro. Sobrevive, sonha, mas vive.

O que te deixa vivo?

A raiva, tentando superar? A ideologia, tentando alcançar? A realidade,
tentando se desviar?

O que te deixa vivo?

Expressar-me. A vida é cheia de som e fúria. Adendo, amor. E são nestas
três facetas da vida que esta coletânea de contos está embasada. Numa vida de
sons, de fúria, e de amor. Para cada uma, uma personalidade, um autor, uma

realidade. Mas nada não real, apesar de (não) ficção.

O que te deixa vivo?

Vim a São Paulo para lançar este livro. Já tem dois anos e meio. Mas
somente com uma carta de meu outro passado me encontrei. A persona paulista

começa a crescer dentro de mim, mas as realidades berrantes berram há tempos.

Por estas páginas.

O que te deixa vivo?

O prazer de escrever pela manhã, após um pesadelo. Ou um sonho. O tesã

o de relatar um dos dias mais lindos de sua vida. O temor de relatar o pior dia da

vida de alguém que existe, e não necessariamente em pesadelos. A realidade de

relatar o dia a dia de um dia qualquer de um sujeito qualquer de uma cidade

qualquer. O escrever de um estado Bukowskiano para, no dia seguinte, nada

lembrar, ler e pensar: ͞Nossa!͟.

Relatar. Expressar. Escrever. É o que me deixa vivo.
E o que te deixa vivo? Absorver, crescer, viver, amadurecer? Uma imagem
vale por mais de mil palavras, mas não necessariamente eram as que você queria
dizer. Prefiro as palavras, a semântica, a gramática. E o impacto de cada uma na
alma de cada leitor. Amo as linhas escritas, mas sou apaixonado pelo
entendimento das linhas nunca expressas.

Ame, odeie. A ferida ou cicatrização estará feita. Depende se a agulha é
de um acupulturista ou de um sado masoquista. Depende de quem sente.

Sentir. É o que deixa cada um vivo. Numa sociedade apática, temos que

ter agulhadas. Seja de que tipo for. Para te lembrar do que te deixa vivo.

Sou um estranho em todos os ninhos que já estive. Mas em cada um me
senti em casa, com semelhantes. Um engenheiro, um analista, um músico, um
escritor, um ͞careta͟, um ͞porra loca͟, um cara transparente demais, um cara
extrovertido. Faz sentido. A vida é cheia de som e fúria. E num país que nem
panelaços têm, como nossos hermanos, dá mais fúria, e sons. Apesar de
silenciosos. Escutar estes silêncios, e transpô-los ao papel, me deixam vivo. Ou,
enquanto escrevo estas linhas, revivido.

O que te deixa vivo?

Paulo Marinho, Caim, Tommy Molto. Escolha.

Por uma vida menos ordináriaWhere stories live. Discover now