SETE

771 169 224
                                    

Imagem acima como eu imagino o Lorenzo.

-------

— Morango? — Lorenzo perguntou quando me sentei à mesa da sorveteria com meu sorvete em mãos.

— Sim, algum problema com esse sabor?

— Nenhum. Combina com você. Rosa, balé, morango. Combina. — Sacudiu a colher do sorvete, sinalizando minha silhueta.

— Balé? Eu disse pra você que sou bailarina? — perguntei.

Ele arregalou os olhos, mas logo se recompôs.

— Seu irmão. Seu irmão me contou naquele dia — disse, sério, enquanto intercalava comendo seu sorvete de passas.

Ele estava muito estranho. Precisava sondar.

— Então, como você está? — arrisquei perguntar.

Ele parou de comer, afastou o sorvete da mesa, recostou as costas na cadeira e levou as mãos entrelaçadas atrás da cabeça.

— Você quer mesmo saber sobre mim, né? — deu um sorriso contido.

— Olha, estamos em um placar meio injusto. Você sabe o meu nome, conhece meus pais, sabe onde eles moram, onde eu moro, onde eu trabalho e a única coisa que sei de você é que se chama Lorenzo, veio da Espanha e não pede desculpas quando atropela as pessoas na rua. — Eu o encaro, sem piscar.

Haha, vamos ver agora, Lorenzo! Conte-me seus segredos!

— Pode começar sabendo que nunca atropelei ninguém na vida. Trabalho com os negócios da família e meus pais são falecidos. Moro exatamente há dois quarteirões de onde você mora. Mais alguma coisa, senhorita? — ele se debruçou na mesa e aproximou o rosto de mim.

Eu ainda estava comendo meu sorvete.

Tudo nele exalava mistério. Realmente não estava de frente a nenhum sósia de príncipe da Disney.

— Já que estamos nessa coisa de conversar abertamente de boa... — terminei meu sorvete e limpei a boca com o guardanapo —, quero saber quem você é. Fale-me de você.

Ele semicerrou os olhos, recostou-se na cadeira novamente, passou a mão nos cabelos e bufou.

— Não sei o que está acontecendo e nem porquê a gente tem se esbarrado tanto nesses últimos dias. Juro que não sou nenhum perseguidor e nunca precisei seguir nenhuma mulher na vida, então, se a sua dúvida é sobre minha índole, posso te garantir que não possuo nenhum interesse obscuro em você. Na verdade, pra mim você é apenas a garota que eu derrubei os pães de queijo por acidente, nada mais.

Não era pra eu me sentir um grãozinho de areia em meio a um deserto gigantesco, mas foi assim que me senti. Uma nada.

— É... — Abaixei os olhos, que agora ardiam um pouco pelo efeito das suas palavras. — Desculpe, eu... Confesso que duvidava um pouco da sua índole, mas não esperava nada mais de você em relação a mim. Desculpe por perguntar tanto e me intrometer no que não sou chamada. Obrigada pelo sorvete, mas acho que já vou.

Levantei e não esperei sua resposta. Peguei minha carteira, tirei uma nota de cinco e depositei sobre a mesa. Ele me convidou, mas acabara de dizer que jamais me convidaria para um encontro — com outras palavras —, então preferi pagar.

Saí em passos largos até a rua com minha carteira na mão. Avistei um ônibus se aproximar do ponto e corri para alcançá-lo. Antes de subir, ouvi Lorenzo me chamar pelo nome, mas não me virei. Entrei no ônibus e fui embora.

Durante o caminho, tentei me lembrar em qual momento eu fui tão inconveniente e clara sobre os pensamentos obscuros que eu tinha a respeito de Lorenzo. Não é possível que eu seja uma pessoa tão fácil assim de ler e decifrar.

Das duas uma: ou Lorenzo é perito em decifrar pessoas, ou ele lê pensamentos.

Ah, vai dizer que isso não existe?

Até dois dias atrás sapatilhas mágicas e voltar no tempo também não existiam pra mim!

Ah, Deus!

Minha mochila com as sapatilhas!

Esqueci na sorveteria. E agora?

Dei o sinal próximo da minha casa e desci. Não tinha o celular dele, então caminhei até a porta da minha casa, desesperada, sem saber o que fazer.

Ele disse que morava há dois quarteirões de distância. E se eu fosse perguntando pela vizinhança? Será que ele estava com minha mochila? E se ele também não a viu e ficou na sorveteria?

Lorena, sua tonta!!!!

Quebrei uma regra, minha mãe vai me matar!

Ai meu Deus, ai meu Deus...

Meus olhos logo avistaram, na frente do meu apartamento, a silhueta de um homem recostado numa moto, de braços cruzados.

Eu me aproximei.

Era ele, Lorenzo.

— Ah, meu Deus! Diz que você achou minha mochila! — falei, ao me aproximar dele.

Ele virou e pegou algo em cima do banco da moto. Estendeu a mim, era minha mochila.

— Não precisava sair correndo. Ainda bem que eu sei onde você mora — disse, num tom preocupado.

— Obrigada. — Peguei a mochila. — Nossa... Meus batimentos cardíacos até se acalmaram. Essa mochila é muito importante.

Sem pensar muito, coloquei a mochila nas costas e o abracei, respirando fundo e soltando o ar lentamente, aliviada por ele estar lá naquele momento.

— Obrigada, obrigada — agradeci, enquanto o apertava em meus braços.

Ele resistiu um pouco, mas logo cedeu e lentamente envolveu seus braços forrados pela blusa de manga comprida no meu corpo frágil e delicado.

— Não... Foi... Nada — ele dizia pausadamente e eu senti uma certa resistência em sua voz.

Acho que Lorenzo não é acostumado com abraços.

Eu me afastei lentamente dele e rocei os polegares no interior das alças da mochila, enquanto fitava o chão, sem graça pela minha atitude involuntária.

Afinal, ele mostrou não ter nenhum interesse em mim hoje. Não sei porque eu fiquei esperançosa, ou achando que podíamos ter algo, nem que fosse uma amizade.

— Bom, vou entrar — falei e virei meu corpo em direção à entrada do prédio.

Quando estava quase atravessando a porta principal, senti algo conter meu braço.

— Lorena. — Era ele.

Virei e tomei coragem de encará-lo, após o mico que paguei, abraçando seu corpo forte.

— Hum?

Ele pôs as mãos nos bolsos e trocou o peso entre os pés num gesto nervoso.

Deu um passo à frente.

Mais um.

Estava com seu rosto a um palmo do meu.

— Eu... — começou a dizer, mas então fechou a boca pressionando seus lábios numa linha. Fechou os olhos e franziu o cenho. Parecia estar em guerra consigo mesmo.

De repente, abriu os olhos, rolou-os pelos meus de um lado pro outro, depois levantou uma mão e levou-a até minha nuca, fazendo criar uma trilha arrepiante da minha bochecha até lá. Quando enfim chegou, ele me puxou pra si e me beijou.

Seus lábios grudaram nos meus lentamente, num selinho demorado. Depois ele os abriu e os sugou devagar, saboreando-os como se fossem raros, preciosos.

Nosso beijo não se aprofundou, pareceu uma pequena prova.

Ele se afastou, abriu os olhos, me encarou, assentiu e se foi.

E eu?

Eu fiquei parada, corada, de boca aberta e olhos esbugalhados, sem entender absolutamente nada.

AMOSTRA - Minha sapatilha mágica.Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα