CAPÍTULO 13 - O FIM

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Em menos tempo do que se esperava, Katherine encharcou-se por inteira. As gotas de chuvas geladas daquela noite de brisas fortes e exageradamente frias, provocavam arrepios por todo o seu corpo. Ela fitou a árvore seca, agora com um aspecto mais funesto como nunca fora vista antes, e seguiu pela orla do orfanato até repentinamente parar em um lugar lamacento. Olhou atentamente para a poça de lama que era derretida aos poucos, e se agachou. Colocou a lanterna ligada de lado, e, de forma inesperada, meteu suas mãos de dedos magros no chão, e começou à escavar vorazmente. Os olhos umidificavam com lágrimas mornas, enquanto raios cortavam o céu nublado e escuro, formando lampejos amarelados refletidos em seu rosto lastimoso. Alguns minutos depois, durante a escavação, Katherine tocou em algo macio. Um nariz… um rosto. Katherine tornou a escavar, agora de forma precavida. O rosto foi se tornando mais visível, e Katherine deixou escapar um grito de desespero, quando uma mão pegou no seu braço com demasiada agressividade. O corpo da cova começou à se movimentar, enquanto segurava Katherine. Era o filho de Laurine e Gilbert, que resistia à deixar o reino dos vivos. Katherine tentou se desvencilhar, mas ao fazer isto, os olhos do cadáver vivo se abriram patenteando olhos grandes e negros. Katherine, em uma outra tentativa bradou decidida:

— Vou te mandar de volta pro inferno!

Meteu as mãos sujas na veste encharcada, tirou o punhal, e com uma intensa força, o enfiou várias vezes no meio do peito miúdo da estranha criatura que soltou um grito horrível de intensa aflição. Passados alguns instantes foi diminuindo de intensidade até se tornar inaudível. Os olhos se fecharam, e a pequena mão que segurava o braço de Katherine à largou. O céu se despediu dos relâmpagos, e aos poucos, a intensa chuva se tornou uma leve garoa. Katherine permaneceu imóvel, enquanto o sangue jorrava do corpo esfaqueado. Lágrimas rolaram de seu rosto, e com uma última olhadela na cova, apanhou a lanterna, se levantou, e seguiu cambaleante em direção à porta do orfanato. Passou pela sala, subiu as escadas, e quando cruzou a porta do dormitório…

— Abel, acordou! Abel, acordou! — exclamou Madeleine de uma das camas, enquanto ela e todas as outras rodeavam a pequena Abel. Estonteante, Abel tentava entender o que tinha acontecido, lançando às meninas um olhar de dúvida anestesiado.

— Você nos salvou… — disse uma das meninas lançando os braços ao redor da cintura de Katherine, e abraçando-a.

— Assim que o sol nascer, vamos sair daqui — disse Katherine massageando as costas dela.

— Mal posso acreditar que tudo acabou — murmurou Christine.

Katherine se desvencilhou do abraço da colega, foi até a cama de Abel e sentou-se ao seu lado. Abel vagarosamente levantou a cabeça, colocou os lábios nos ouvidos de Katherine e murmurou com ar inocente:

— Obrigado.

As duas se abraçaram, e elas ficaram ali juntas umas das outras. Passaram o restante da noite pensando em como sairiam dali, até o sol lançar seus primeiros raios na manhã seguinte. Com uma exclamação, July disse excitada:

— Sei onde tem um sinalizador! — e saiu do quarto iluminado, voltando minutos depois com um objeto semelhante à um revólver. — Podemos usá-lo, e as pessoas saberão que alguém está precisando de ajuda.

— Esperem algumas horas — orientou Katherine. —, ainda é muito cedo, e não podemos correr o risco de usá-lo sem ter a certeza de que alguém vai realmente ver.

— Tem razão — disse July sentando na beirada da cama —, o pior já passou.

Aguardaram ansiosas até o relógio de pêndulo marcar 09h. Katherine pediu o sinalizador de July, que o segurava como se fosse a última garrafa d'água do deserto (na verdade, podiam ser para elas), e seguiram até a varanda — a mesma que Laurine lastimou-se enquanto seu filho era enterrado. E então, com um sorriso alegre apontou o sinalizador para o alto, e o disparou. Uma tocha de esperança clareou no céu, enquanto os sorrisos de todas se abriam e os olhos brilhavam, mas desta vez não eram brilhos de lágrimas, eram de alegria.

— Agora é só aguardar — disse Katherine depois de um tempo.

Passadas duas horas, quando a aflição já estava tomando conta do ambiente, ouviram uma batida oca. Uma das meninas murmurou:

— Tem alguém batendo à porta.

Saíram do quarto e desceram as escadas em grupo, até Katherine tomar iniciativa e abrir a porta da frente, um tanto desconfiada…

Lágrimas mais uma vez escorreram por seus rostos, sem exceção de nenhuma. Não podiam acreditar. À frente da porta, tinha um policial nanico e barrigudo que às encaravam com um olhar de questionamento. Ele pigarreou e indagou:

— Há algo de errado, mocinhas? Vimos um sinalizador. Só não podemos vir antes, pois já estávamos resolvendo um problema e não podíamos correr o risco de sermos vítimas de uma brincadeira de algum jovem engraçadinho. Hoje em dia eles estão pra lá de perspicazes, não é mesmo? — ele olhou para um outro policial que estava entretido no carro mexendo no rádio, e abriu um largo sorriso.

Durante alguns segundos as meninas não deram uma só palavra, até que como se estivessem combinadas, envolveram o policial com um grande abraço coletivo.

O policiais, depois de ouvirem o que as meninas tinham passado demostrando estupefação e uma certa condolência, ligaram e pediram reforços. E meia hora depois o orfanato estava repleto de peritos e policias espalhados em todos os cômodos, enquanto as meninas se recusavam à entrar ali novamente.

Katherine, sentada no banco de trás de uma das viaturas, olhou para o céu sonhadora, mas viu que algo caía dele pairando. Seu corpo magro gelou, e entorpeceu-se por inteiro.

Katherine lentamente saiu do carro, esperou que a coisa estivesse mais próxima dela, e com um impulso, pulou e a apanhou ainda no ar. Não, não! Devia ser apenas coincidência. Afinal, a chuva estava forte, e os ventos agressivos. Não podia ser o mesmo. Katherine abriu a folha de papel que estava em suas mãos trêmulas, e leu mais uma vez:

Espíritos malignos só podem ser exterminados com um suicídio de entrega ao inferno…

As pernas de Katherine arriaram. Ela ficou de joelhos. E enquanto ela se lamentava com lágrimas que escorriam velozmente pelo seu rosto, ela sentiu a cabeça ser impulsionada para trás, e bater com demasiada agressividade no chão. Foi tudo muito rápido. Katherine em um segundo estava do lado de fora, e no outro era levada por uma força sobrenatural para dentro do orfanato. Ela foi arrastada pelos cabelos pela sala de estar. Escada acima. E finalmente, chegou ao dormitório. Mas ela não parou de deslizar pelo chão. Aquela força invisível estava levando-a para o precipício causado pela ausência da parede de vidro ao fundo. Seus olhos arregalados vislumbravam vultos de policiais de relances vindo desesperadamente em sua direção, enquanto de sua boca saía gritos mudos. E em poucos segundos ela sentiu seu corpo seguir em direção ao chão lamacento, enquanto se debatia esganiçada. Era o seu fim. Entre os fundos do orfanato e o milharal seco, Katherine residiu, dando seu último suspiro de agonia. As pupilas dilataram em seus olhos mortos e abertos.

O MISTERIOSO ORFANATO DE MADAME LAURINE (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now