CAPÍTULO 5 - MORTE ABRUPTA

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— Acordem! — exclamou Laurine na manhã seguinte, enquanto caminhava inquieta pelo corredor entre as duas fileiras de camas. — Uma das minhas facas sumiu. É melhor eu tê-la até a hora do almoço, ou vou ter que vasculhar o quarto de cima à baixo, e, ah… — e continuou em tom teatral: — Quem tiver pego… vai passar uma semana no porão! Agora — disse ela batendo palmas apressadas —, vamos levantar, hoje tenho um servicinho especial pra vocês.

As meninas ainda grogues se entreolharam enquanto pulavam das camas. Madame Laurine lançou um sorriso tosco, e saiu.

— Especial… — disse Madeleine desdenhosa. — Do jeito que ela é, não deve ser coisa boa.

Todas as meninas tiraram as camisolas de cetim, colocando no lugar o vestido branco com detalhes pretos. Depois do café da manhã, Madame Laurine conduziu todas as meninas para fora do orfanato. Fosse lá o que elas estivessem pensando, era algo do tipo “Fora de casa?”
Tementes de que mais uma das colegas morressem, elas apreciaram à estrada apreensivas à aproximadamente cem metros, além de uma cerca de arame enfarpado: o motivo para que nenhuma delas tivessem ousado fugir ainda. Simplesmente morreriam antes mesmo de chegar à cidade mais próxima que ficava à trinta quilômetros, ou seriam apanhadas por Madame Laurine e Gilbert em sua caminhonete rumorejante quando avistassem o primeiro sinal de vida da cidade, depois de uma maratona à procura de ajuda. À não ser que elas…

— Oscar está imundo — disse ela à frente de todas às meninas, enquanto apontava para o cachorro buldogue amarrado na árvore seca em frente ao orfanato —, preciso que vocês banhem-no… — e se aproximando do cachorro para dar-lhe uma acariciada nervosa, prosseguiu em um tom de voz sarcástico: — Só tem um problema: ele não se dá bem com estranhos. E como mal vê vocês, resolvi trazer todas de uma vez… assim umas podem ajudar as outras caso ele resolva arrancar um pedacinho da mão de alguma.

Ouviram a porta ranger atrás delas e de dentro do orfanato saiu Gilbert se esforçando para trazer dois baldes de água pendurados nas mãos, e entre as axilas amareladas e nojentas, o que parecia ser um shampoo para cães.

— Pronto meu amor. Mais alguma coisa? — perguntou ele acariciando a corcunda dolorida.

— Não querido. Vamos entrar — e entraram batendo a porta de carvalho logo atrás delas.

Ficaram imaginando como iriam domar aquela fera, mas quando finalmente decidiram mergulhar o recipiente no balde para lançar o primeiro jorro de água no buldogue, foram surpreendidas por um grito tão agudo, que elas tiveram que tapar os ouvidos para não prejudicar a audição.

— O que foi aquilo? — murmurou Abel, tremendo.

— Fiquem aqui — ordenou Katherine. — Vou dar uma olhada.

E as meninas observaram Katherine entrar vorazmente dentro da mansão, depois giraram o globo dos olhos para encararem o cachorro que rosnava e babava, às encarando.

Katherine seguiu até a cozinha, mas não viu nenhum sinal de Madame Laurine ou Gilbert por lá. O que ouvia agora era uma voz sem corpo invadindo toda a sala: “Mamãe… estou saindo da cova… cuidado mamãe… estou voltando…” A voz infantil e sussurrante foi se afastando, e Katherine ouviu um choro familiar no andar de cima. Vinha do quarto de Madame Laurine e Gilbert. Katherine titubeou nervosa e discretamente até a fresta da porta. Não acreditou na cena que viu, seus olhos arregalaram tanto que suas órbitas tiveram que se expandir. Teve a sensação de que seu estômago virara de cabeça para baixo.

Gilbert estava dilacerado e ensanguentado encima da cama de lençóis brancos, e Madame Laurine se lamentava encarniçada no carpete do piso de madeira:

— Por quê… o por que de tal castigo, senhor? Meu Deus, me leve com ele! Eu imploro…

E os olhos de aversão pousaram nos de Katherine que não teve tempo de se esquivar.

— Foi você! — estremeceu Laurine, se levantando e cambaleando até Katherine. — Você pegou a faca e matou meu marido! Foi você! Vou te matar sua desgraçada! — e violentamente pegou no pescoço de Katherine que protestou entalada:

— Não, nunca faria uma coisa dessas. Mãe, por favor…

— Mãe… — disse ela desdenhosa enquanto lágrimas rolavam de seu rosto ossudo. Ela arrastou Katherine escada abaixo. — Vai passar alguns dias no porão. Até… até… morrer de fome!

Pegou uma chave da cintura e a encaixou na fechadura de uma porta do térreo ao lado da escada. A porta se escancarou com um chute dado por Laurine, e ela lançou a pobre menina por uma escada de madeira, até Katherine sucumbir no chão empoeirado. Madame Laurine deu um sorriso tosco, com os olhos ainda lubrificados por lágrimas e trancou a porta com tanta força que o trinco caiu e desceu rolando até bater nas pernas desajeitadas de Katherine que residia no chão. A sala banhou-se por um breu, que por pouco não escureceu até os raios de sol que entravam por uma pequena janela de vidro.
Passou o restante do dia na mesma posição até escurecer completamente. O pânico lhe subiu a cabeça, e por um momento ela achou que tudo estava acabado. Morreria ali mesmo, longe de uma eutanásia. Em uma morte dolorosa, depois de uma vida dolorosa.

O MISTERIOSO ORFANATO DE MADAME LAURINE (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now