CAPÍTULO 2 - ONDE ESTÁ JULY?

3.6K 275 9
                                    

Naquela noite, quando todas estavam depostas à mesa do jantar, ouviu-se gritos que vinham do banheiro. Mas quem poderia ser, se todos estavam ali, inclusive o senhor Gilbert? Todos paralisaram se encarando e deixando a colher de arroz à meio caminho, até que, depois de alguns instantes Madame Laurine disse:

— July, vá ver que diabos é isto!

July subitamente saiu da mesa de jantar e seguiu pelo corredor mal iluminado em direção ao banheiro. Ao abrir a porta, não viu nada além de vários boxes e algumas pias. Uma das torneiras estava pingando. July caminhou em passos lentos para fechá-la corretamente. Ela começou a pingar cada vez mais até jorrar uma quantidade absurda de água extremamente preta. Ela tombou e caiu para trás apavorada. Tremendo, do chão encarou o grande espelho que refletia normalmente até embasar aos poucos, como se uma boca enorme houvesse suspirado ali, e, no segundo seguinte um espírito negro esquelético saiu com um grito ensurdecedor e entrou diretamente na boca de July que tinha sido aberta para gritar.

— O que foi isso? — Assutou-se Katherine.

Madame Laurine a encarou lentamente com um olhar de desdém.

— Vá chamar ela, Katherine — disse ela rudemente.

Katherine saltou da cadeira de madeira e seguiu pelo mesmo corredor onde as poucas luzes piscavam freneticamente. Ao abrir a porta não viu nada além de July se encarando no espelho com uma expressão esquisita.

— O que foi… aquele grito? — perguntou Katherine.

— Não ouvi nada — respondeu July, à encarando pelo reflexo com um sorriso estranhamente feliz.

— É melhor voltar, antes que Madame Laurine… você sabe...

July sorriu para si mesma pelo espelho, e saiu. Katherine à acompanhou. Ao chegar à mesa não foram questionadas por ninguém. Sentaram em silêncio, e se serviram.

Quando todas se aconchegavam nas camas para dormir, Katherine viu que July não estava fazendo o mesmo, ao invés disso, estava à frente da enorme parede de vidro encarando a paisagem seca iluminada pelo brilho da lua cheia. Ela não deu bola pois ela gostava de ficar ali, pensando em dias melhores, no dia em que sairiam dali, então tornou à se aconchegar pegando no sono. Assim que abriu os olhos na manhã seguinte, viu que July permanecia na mesma posição, ainda à encarar o milharal seco agora iluminados pelo brilho do sol recém nascido. Katherine se levantou e seguiu descalça até ela. Ao tocá-la no ombro, July simplesmente se virou e encarou Katherine com os olhos arregalados durante alguns poucos milésimos e em seguida seguiu em direção à sua cama, onde se cobriu por completo, exceto os olhos que insistam à encarar o milharal.

Abel já estava bem melhor. E, enquanto se serviam no café da manhã, senhora Laurine sibilou brava:

— Onde está July? — e gritou: — JULY!

— Ela não está bem, senhora — disse uma das meninas.

— Ah sim, acredito! Se vocês são tolas o suficiente para acreditar nessa tal enfermidade dela justamente no seu dia de lavar o banheiro… eu não sou!

E afastando sua cadeira com um ruído chato, subiu a escada larga murmurando furiosa.

Desceu instantes depois, sozinha.

— Onde ela está? — estremeceu Laurine de raiva encarando a menina que tinha falado instantes antes.

— E-eu n-não s-sei — gaguejou ela de medo. Madame Laurine era bastante cruel quando irritada.

Laurine pegou na orelha da pobre garota, e a lançou para fora da cadeira vociferando:

— Então vá procurar!

A menina vasculhou toda a casa, porém, não encontrou nenhum sinal de July. Contou a madame Laurine que disse irritada “Quando ela estiver com fome, ela vai aparecer."

Não poderia ter ido à cidade. Não à pé. Mas o carro de Gilbert — uma caminhonete tão velha quanto o dono — ainda se encontrava em frente ao orfanato.

Katherine à certa altura da manhã, saiu do dormitório e desceu sorrateiramente a escada de madeira em passos lentos. Laurine e Gilbert se encontravam na cozinha. Madame Laurine ocupada bradando furiosa com sua voz arrastada “Tira suas mãos imundas do almoço, Gilbert!”, à Gilbert que não parava de enfiar o dedo sórdido no macarrão.

Katherine atravessou a sala de estar cuidadosamente e seguiu até a porta da frente. Ao girar a maçaneta hesitou. Nunca saira sem o acompanhamento da diretora ou do seu marido, aquilo podia causar uma tremendo confusão. Todavia estava decidida, queria encontrar July. Pelo menos antes de Laurine. Abriu a porta demasiado devagar, que rangeu um pouco, mas não o suficiente para Laurine que estava ocupada demais brigando com Gilbert pudesse ouvir. E saiu. O ar da manhã lhe acariciou, e ela girou feliz, enquanto seus cabelos eram jogados de um lado para outro. Mas não por muito tempo...

Um cachorro buldogue amarrado em um árvore seca próxima à casa começou à latir e ela correu encarniçada pela orla da casa até chegar ao fundo. Ofegou, e segundos depois viu um movimento no milharal seco à sua frente. Não tardou até Katherine entrar nele. A coisa parecia estar fugindo dela, até que segundos depois…  

— Aaaah!!! — Katherine se desesperou soltando um grito que levou mais exclamações que qualquer outra coisa dita por ela durante todos o seus dezesseis anos. À sua frente, em um vão sem a presença do milharal, estava uma fogueira, mas não uma fogueira qualquer, uma fogueira negra, e não era tudo, July pairava sobre ela, murmurando palavras estranhas; os olhos completamente negros; a pele pálida; o vestido do orfanato farfalhando no calor das chamas. A fogueira estremeceu e dela saíram gritos agudos, e as labaredas de fogo negro deram origem à rostos atormentados e zangados, até, que instantes depois ela se apagou, ainda aos gritos, e July caiu desacordada logo à frente de Katherine que tremia.

— July… — falou Katherine com a voz embargada, enquanto se agachava e tentava levantar o corpo da amiga. — Calma... vou tirar você daqui.

E mesmo que July tivesse apenas dez anos, pesava bastante para os braços magros de Katherine. Enquanto Katherine seguia em direção ao orfanato com as pernas curvadas pelo peso de July em seus braços, ela notou que uma das colegas do orfanato à observava através da parede de vidro ao fundo do dormitório. Ela não ligou porque tal menina tinha o mesmo desejo que ela, e todas as treze outras: queriam sair daquele inferno. Aos poucos, onze pares de olhos estavam encarando as duas, até que repentinamente desviaram para a direção da porta do quarto.

“Madame Laurine”, pensou Katherine. E forçando as pernas à se apressarem, correu em direção à porta da frente. O cachorro buldogue latiu novamente e ela tentou entrar o mais silenciosamente possível no orfanato, e seguir em direção ao banheiro do térreo.

O MISTERIOSO ORFANATO DE MADAME LAURINE (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now