I can not leave her there

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Narrador POV.

A menina fungava baixinho, não dava para saber se seus lábios tremiam pelo choro ou pelo frio que consumia toda a cidade nessa época do ano. Seus cabelos estavam fazendo uma cortina sobre seu corpo enquanto ela estava encolhida com a cabeça enfiada nos joelhos, ela se sentia tão solitária.

Quando Camila nasceu seus pais não eram mais novinhos, estavam numa idade avançada e foi um milagre Sinuhe engravidar, eles ficaram tão felizes, mas não pensaram na consequência do ato. Aos dez anos Camila perdeu os pais, primeiro sua mãe morreu durante o sono, seu pai três meses depois por depressão, foi o pior ano de sua vida, sem dúvidas. Não havia família por perto, seus avós já não viviam mais, sem irmãos, tios ou primos ela não conhecia, era apenas... ela.

Levaram ela para um orfanato mas ela fugiu aos quinze, não aguentava mais, fora rejeitada todos esses anos por não ser nova demais para ser adotada, doía como o inferno, como se não bastasse a falta que seus pais faziam. E desde os quinze mora na rua, suas tentativas falhas de emprego e alguma moradia fizeram ela desistir, não queria voltar para o orfanato, mesmo tendo na sua frente a decisão de enfrentar as ruas. Dois anos. Dois malditos anos na rua e ela simplesmente não conseguia se acostumar, o frio era de gelar seu corpo, o calor fazia ela querer arrancar as roupas e achar alguma sombra, as doenças que ela já não sabia quantas vezes pegou nesse intervalo de tempo, tinha pouco com ela, apenas um cobertor, roupas quentes que doaram e um colar de sua mãe que ela não tirava por nada, já tentaram roubar mas ela enfrentou uma luta que pode ter se machucado muito, mas não levaram seu bem mais precioso.

Hoje era natal, seu segundo natal na rua, ela estava tão triste, vendo a rua cheia de famílias correndo para comprar algo de última hora, a árvore gigante que montam no centro da cidade deixava-a deprimida, sua mãe amava montar árvores. Ela começava a pensar que não havia saída para as ruas, ela sentia vontade de acabar de uma vez com seu sofrimento, mas era fraca demais para tentar algo contra sua vida. Infelizmente.

"Clara, vamos logo. O mercado vai fechar em algumas horas." Michael implorou para a mulher, que enrolava como ninguém, ele bufou impaciente e se sentou no sofá, não adiantava ficar em pé mesmo.

"Tenha paciência." Lauren riu baixinho pela cara emburrada do seu pai.

"Eu tento." Ele disse dramático, arrancando risada dos três filhos que estavam na sala. Eles já estavam arrumados e esperavam apenas seus pais irem comprar alguns ingredientes que sua mãe havia esquecido para a sobremesa, ela não iria deixar a sobremesa de fora, era sua receita favorita, nenhum natal faltava.

"O senhor pode trazer umas cervejas para mim? Estou em abstinência." Chris pediu com o famoso bico manhoso e Lauren abriu a boca incrédula, era o seu bico!

"Seu imitão!" Ela empurrou ele pelos ombros e ele riu.

"Só irei trazer porque também preciso de umas cervejas, essa mulher me deixa louco." Ele sussurrou fazendo os três filhos gargalharem, mas não pela fala, e sim por ter uma Clara Jauregui atrás dele de braços cruzados.

"Louca, Michael Jauregui?" Clara perguntou irritada e ele arregalou os olhos.

"Traíras." Ele sussurrou para os filhos e se levantou virando-se para a mulher. "Oi amor." Sorriu fraco.

"Não te dou uns tapas porque estamos atrasados, vamos logo!" Ela resmungou passando por ele e abrindo a porta, ele suspirou e seguiu a mulher.

Quando chegaram ao centro da cidade Mike estacionou perto do mercado e resolveu esperar no carro, olhou pela janela observando a grande árvore que montavam todos os anos ali e resolveu descer do carro, sorriu pegando o maço de cigarros que ele escondia e logo ascendeu um, tragou com prazer, era um vício que ele escondia da mulher por ela odiar, como se ela não soubesse que ele fumava às escondidas.

Ele se encostou no carro e ficou observando o movimento da rua, seus olhos pousaram em alguns mendigos que estavam sentados conversando, ele sorriu triste para a imagem deles, não podia se imaginar nessa situação, era algo tão... triste. Ele largou o cigarro no chão, intrigado ao ver um pequeno corpo feminino encostado na parede, longe dos outros. Ela estava com a cabeça encostada na parede e chorava com os olhos fechados, seu coração se partiu vendo o quão nova ela era, da idade da sua Lauren.

Ele caminhou até ela cuidadoso, não queria assustar a menina. Quando parou em frente dela ela abriu os olhos e arregalou os mesmo com a supresa de ter um homem ali na sua frente.

"Olá." Ele suspirou dando um sorriso casto. Camila ficou olhando-o de forma desconfiada. "Meu nome é Michael, mas pode me chamar de Mike. E o seu?" Ele se agachou para ficar na altura dela e ela se encolheu mais.

"O-o que você quer?" Perguntou com medo, ele sentiu seu coração se apertar.

"Diga-me seu nome, sunshine." Seu instinto paterno gritava no momento, não conseguiria mais ir embora lembrando que a menina tão nova estava nas ruas, chorando.

"Camila." Ela por fim disse, vendo que o homem não iria fazer mal a ela.

"Bonito nome." Ele sorriu. "Por que você chora, criança?"

"Essa é uma pergunta boba." Ela resmungou enxugando o rosto com a mão. "Estou no Natal nas ruas, o que acha que eu sinto?"

"Não posso imaginar."

"É." Ela abaixou os olhos.

"Não me leve a mal, eu não quero te machucar. Eu ficaria muito feliz se você me acompanhasse em minha casa hoje, eu minha esposa e meus filhos fizemos uma ceia simples, e eu não gostaria de deixar você aqui, no frio. Deve estar com fome não é?"

"Eu não conheço você." Ela estava supresa, quem em sã consciência levaria um mendigo para sua ceia de Natal?

"Mas pode conhecer, eu só quero ajudar." Ele tocou o joelho dela fazendo um carinho. Ela olhou para a mão dele e franziu o cenho.

"Você não vai me querer lá se souber o que eu sou." Ela negou com um sorriso triste. Sua mente gritava a palavra aberração.

"Pode me contar, eu já vi de tudo, sou médico." Ele sorriu.

"E-eu." Ela engoliu a saliva. Ele era médico, entenderia ela certo? "Sou intersexual." Sussurrou, como um segredo.

"Oh." Ele exclamou surpreso, na faculdade havia estudado sobre isso mas nunca tinha visto um caso, isso era impressionante. "Não se preocupe, eu sou médico, estudei sobre sua condição e não vejo o porque eu não querer você na minha casa. Você não é anormal, querida. Há muitos casos como o seu."

"Eu nunca vi um." Ela brincou com as mãos em nervosismo. "Achava que eu era amaldiçoada, por isso tanta coisa ruim acontece na minha vida."

"Eu gostaria de conversar sobre sua vida, mas não aqui, nem agora, você quer ir comigo para casa? Minha esposa já vai chegar do mercado e eu te apresento ela."

"Eu aceito." Ela sorriu fraco e ele abriu um grande sorriso, se levantou e estendeu a mão para ela pegar e levanta-la, ela bateu na calça completamente envergonhada por suas roupas.

Andaram até o carro dele novamente, ela hesitante a alguns passos dele, foi no mesmo momento que Clara chegou com as sacolas na mão, ela olhou para a menina que fitava o chão e para o marido, sem entender.

"Amor, essa é Camila. Eu a convidei para passar a ceia conosco, você se importa?" Clara olhou novamente para a menina e quando ela subiu o olhar sentiu seu coração acelerar, ela era tão parecida com...

"Eu não me importo. Olá, Camila." Ela sorriu e Camila corou envergonhada.

"Então vamos." Mike riu, realmente feliz.

Christmas (Intersexual)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora