Capítulo 3

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Passei pelo corredor e agradeci mentalmente por meus irmãos não terem acordado pela movimentação na casa. Teria que ser forte, e desejar que tudo terminasse bem... a mim eu não sabia o que seria, se viveria, ou... não queria pensar naquilo.

Descemos a escadas de madeira, e percebi que havia mais dois homens altos, do mesmo tipo de roupas que os outros dois que me levavam, esperando por nós. Olhei por cima do ombro, meu pai não estava nos acompanhando... melhor assim... não ver seus olhos com culpa faria eu me sentir menos arrasado.

Não me atrevia a falar nada, apenas continuava andando com eles me segurando pelo braço, me conduzindo para fora de casa. O dia estava ainda escuro, somente os luminares dos postes da rua clareavam-na, e com isso vi uma espécie de furgão preto estacionado mais a frente.

Saímos pelo portãozinho enferrujado de nossa velha casa que estava aberto, e olhei com saudade a velha rua que cresci brincando ali... meu primeiro beijo foi com a garota da casa mais a cima, na esquina da rua, Gabriela, uma ruiva bonita, neta da dona Alvina, uma senhora rabugenta que não gostava da vizinhança e que cuidava da neta desde pequena.

O cachorro do seu Silvio latiu atrás das grades de ferro pela estranha movimentação, mas a sorte que seu Silvio era de idade e quase não escutava muito bem, não ia acordar e ver o que estava acontecendo. Fui me afastando de nossa velha casa e olhei para o lado, avistando a janela do quarto onde meus irmãos dormiam, e foi à última coisa da casa que vi, pois fui empurrado com força, batendo a cara na lataria do carro, e me afastei do lado, com medo, esperando a próxima ação.

— Entre aí e fique calado entendeu? — um deles me disse após abrir a porta que correu para o lado, e eu tremendo, consegui entrar com um pouco de dificuldade, e sentei numa espécie de colchonete forrado no assoalho daquele furgão, e a porta foi fechada com força, e me encolhi para o lado, quando dois homens se ajuntaram ao meu lado, sentando numa cadeira presa. — Podemos partir agora.

O motor do veículo foi ligado e senti-o locomover. Não conseguia ver nada do lado de fora, a janela era só na parte da frente aonde ia o motorista e o banco do carona.

— Está com medo garoto? — uma segunda voz surgiu, e eu abraçado nas próprias pernas não respondi, muito menos olhei para o que estava tentando conversar comigo. — Não fique apavorado, nós não iremos machucar você, só pedimos que não faça nada que vai nos obrigar a usar a força, você deve saber o porque está aqui, acredito que sabe que foi vendido e que logo vai estar muito longe de todos que conhece.

Eu ouvia, e me atrevi a levantar a cabeça e confirmar.

— Eu não vou aprontar nada... prometo... mas não entendo porque isso tudo aconteceu... só queria estar em minha casa, com meus irmãos...

Um dos homens ao meu lado se remexeu, acendendo um cigarro.

— Coisas que não entendemos sempre estão acontecendo, e às vezes precisam acontecer, apenas tente aceitar isso.

Encolhi a cabeça entre os joelhos, sem dizer mais nada. O motorista conversava com seu companheiro do lado enquanto o carro fazia viagem, e eu estava no meu cantinho, tentando não me mexer muito, apenas esperando a segunda ordem.

O que parecia ter lavado horas dentro daquele veículo finalmente havia chegado ao fim. Senti o carro parar e depois os homens comigo se levantaram aliviados.

— Nossa minha bunda está dormente, preciso de um banho e cair na cama! — reclamou um deles abrindo a porta do furgão. Olhei para a luz do ambiente, estava bem claro. — Vamos garoto pode descer, e se comporte.

Minhas pernas também estavam dormentes, e me arrastei sentado até sentir os pés no chão do lado de fora, e me apoiando na porta do carro fiquei em pé. Estava num grande estacionamento subterrâneo de algum prédio. Havia outros carros estacionados em suas vagas, e um deles estava parado com os faróis acesos. Era um modelo importado, mas eu não sabia qual marca era, e vi que o carro agora aproximava de nós. Fiquei apreensivo. Uma mão pesada pousou no meu ombro, me empurrando para caminhar até o carro que agora parava ao meu lado. Era um carro preto, vidros escuros.

— Entre aí e nada de gracinha, agora não vamos com você.

Engoli seco, abrindo a porta e me curvei entrando, e sentando no banco de trás. Era macio o banco, porem o conforto não me fazia sentir menos calmo.

A porta foi fechada. O motorista olhou para trás. Era um homem bem elegante, e usava um uniforme.

— Por favor, coloque o cinto de segurança.

Ele pedira educadamente, e atendi seu pedido. Novamente o carro se pusera a andar, e os vidros levantados eu olhava o lado de fora, e seu movimento pacato de uma manhã triste de sábado. Em que lugar eu estava? Não conhecia as ruas, os prédios altos e os inúmeros comércios que começavam abrirem suas portas aos clientes.

— Por favor, será que poderia me dizer onde estamos? — arrisquei a perguntar. Senti que o motorista era mais gentil que os outros homens que estivera comigo, então o mínimo que aconteceria comigo era não ter a resposta, e foi o que houve.

— Desculpe, mais não tenho permissão de falar.

Fiquei calado depois disso, só prestando atenção no ambiente do lado de fora enquanto seguíamos viagem. Quem visse o carro do lado de fora, pensaria que eu estava a passeio, mais era totalmente ao contrário, estava sendo levado embora. Não estava sendo sequestrado, alias, tinha sido vendido, o comprador provavelmente pagara as dívidas do meu pai, sendo assim, eu não pertencia mais a mim mesmo, e agora não tinha mais liberdade para fazer nada.

Um celular tocou e eu vi o motorista atender enquanto que com uma mão dirigia o volante.

— Sim, estamos a caminho, o passaporte está pronto? Tudo certo, assim que chegarmos ao hotel preparei o rapaz.

Eu arrepiei. Então estava indo para um hotel, me vestir, e depois embarcar para Espanha? Já tinha até feito um passaporte para mim? E foi aí que entendi que meu pai já estava me negociando a tempo, pelo menos a tempo de estarem com os documentos resolvidos para eu sair do país... E eu não havia desconfiado de nada...


O Garoto do MagnataWhere stories live. Discover now