Confidências

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— Então... Sobre a sua mãe, como ela tá? – Pergunto.

— Ah, ela tá indo. Tem dias que são melhores, outros nem tanto, na maioria deles é só aquilo que você viu.

— E como vocês... Lidam com isso?

— É complicado, Lia. Nenhum de nós sabe exatamente como agir, mas fazemos o nosso melhor. – Diz e eu assinto.

Encaro Pietro, o garoto que eu tanto gostei há alguns anos, ele não é o mesmo. Há cicatrizes metafóricas em sua pele, indicando que ele passou por tempos difíceis, seus olhos não são mais os mesmos, eles parecem mais profundos, cheios de segredos e dúvidas. A vida não é mais tão simples como costumava ser, muita coisa mudou e, apesar de ainda sermos os mesmos, temos novos problemas, novos desafios para enfrentar e novos medos, que se unem a velhas inseguranças.

— Sabe, eu já chorei muito por causa disso. Como se não bastasse perder o meu avô, eu comecei a perder a minha mãe também, de uma maneira tão dolorosa... Eu vi ela deixar de ser quem era e se transformar em uma espécie de casca, acho que foi a forma dela de lidar com o luto, eu só não esperava que aquilo fosse se tornar algo mais sério, eu não esperava que ela não voltaria a ser o que era. E dói, Lia. Dói vê-la assim. Eu não queria que as coisas fossem dessa forma, há dias em que eu imploro pra que tudo seja diferente, mas isso nunca acontece. E a única opção que me resta é aceitar, eu tento me distrair e funciona muito bem às vezes, mas essa sensação de que não há nada que eu possa fazer sempre volta, hora ou outra.

Há dor em seus olhos, eu posso ver. Gostaria de fazer algo para tirá-la dali mas sei que não é possível. A vida pode ser cruel às vezes, ela muda tudo de lugar sem te dar aviso prévio e cabe a você se ajeitar àquela nova realidade. E isso nunca é fácil.

— Eu tento buscar pequenas coisas que me fazem acreditar que tudo isso, que a vida vale a pena. Alguns dias eu realmente acredito. – Diz. Eu me aproximo dele, acariciando seu rosto e seus lábios em seguida, ele esboça um pequeno sorriso que me faz sorrir também.

— Eu sinto muito mesmo, Pietro. Se houver qualquer que eu possa fazer, não pense duas vezes em pedir, ok? – Digo e ele pega minha mão, beijando lentamente os nós dos meus dedos, eu uso a outra mão para acariciar seu cabelo que começa a secar e formar cachinhos novamente. Nossos olhos se encontram e eu sorrio.

— Pietro! – Beca grita, pedalando desesperadamente até nós. — Eu vou te matar! Que merda você achou que estava fazendo?!

— Beca, calma. Eu nem sei do que você tá falando.

— Ah, não sabe do que eu tô falando? O que raios o Luís tá fazendo aqui? Plantado lá na sala? Me diz! – Ela exclama nervosa.

— Ah, isso... – Pietro diz, olhando para os pés. — Eu chamei ele pra passar o fim de semana aqui, ué.

— "Ué"? Pietro, você fez isso de propósito só pra que eu e ele nos encontrássemos! Eu não acredito! Eu não queria vê-lo, eu tava bem assim! E você nem pra avisar! Eu poderia pelo menos ter arrumado meu cabelo, mas nãããão, lá estava eu, jogada no sofá, com esse vestidinho e esse cabelo assim, quando o garoto entra na sala, dizendo "oi, Beca"! – Ela fala tudo de uma vez e tão rápido que eu tenho que me esforçar pra entender.

— Tá, Beca, calma. Eu chamei ele aqui porque acho que vocês precisam conversar e resolver coisas não resolvidas e não te avisei porque eu sabia que você daria um jeito de fugir. Agora vai lá e aja como a garota madura que no fundo eu sei que você é.

— Argh, Pietro!! E o meu cabelo?

— Rebeca, o cara gosta de você, é sério que você acha que ele vai se importar com o seu cabelo?

As Duas VersõesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora