14- Como o estranho faz parte da minha vida

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Pisquei de susto. Engoli em seco, me sentindo de repente perversa, horrenda por ter falado daquela maneira.

Argh! Eu e minha língua grande.

- Ai...perdão... -como sou horrível- ...Como ele...? -sussurrei sem jeito.

-Iremos chegar neste ponto, posso lhe assegurar. -Víctor murmurou sem voltar a olhar para mim e então se ergueu indo fitar as janelas. -Mas antes tenho que lhe contar como tudo começou.

Senti uma leve pontada de arrependimento ao vê-lo se afastar de forma abrupta. Dobrei e cruzei as pernas, e aguardei o menino contar sua história que também fazia parte da minha, de algum jeito. Enquanto isso, eu o observava da cama, vendo seu rosto refletido no vidro da janela. Era pensativo e um tanto resignado.

Me senti mais mal ainda.

-Como eu ia dizendo... meu pai fazia parte da guarda que seus pais haviam feito para as vítimas, na época em que muitos com o seu dom estavam morrendo. Acabaram se tornando muito amigos com os anos. Ele e minha mãe... -Víctor suspirou, lutando com algo e continuou com a voz um pouco trêmula, mas logo se firmou. - Eles até foram uns dos padrinhos do casamento de seus pais. Quando o último argoniano com seu dom morreu, e sua mãe descobriu estar grávida, seu pai pediu ajuda para o meu. Minha mãe, comigo ainda bebê... fazia companhia para a sua quando seu pai e seus tios iam para Conferências nas outras cidades.

-Sua mãe... como é o nome dela? -perguntei um tanto tímida pelo seu tom de voz.

-Seu nome era Celine.

Engoli em seco novamente quando notei o "era" no meio da frase.

-Ela...

-Também morreu. -Víctor respondeu antes que eu pudesse terminar. -Quando você mostrou seus poderes para seus pais, eles ficaram muito preocupados com o seu futuro, ainda mais com um assassino à solta. Meu pai fez parte da guarda pessoal de seus pais, sempre muito zeloso por sua segurança. No entanto... não desconfiavam que o mau estava dentro da casa de vocês. Ele me disse que foi... alguém maior do que nós quem o enviou para a casa de seus pais naquele dia em que estava de folga. Se não tivesse chegado... talvez você não estaria aqui para escutar esta história.

Víctor se virou para mim, o rosto já um pouco recuperado. Porém, puxou a cadeira da escrivaninha e se sentou ao contrário nela, apoiando os braços no encosto.

-Eu... sou muito grata... de verdade... por ele. -murmurei quando ele me observou retorcer as mãos desajeitada.

-Quando Saulo foi preso, nossas vidas voltaram ao normal... meu pai voltou ao posto de guarda do portal das Alianças. Quando completei cinco anos e você quatro, Saulo invadiu a cidade... Iria destruí-la se seus pais não lhe entregassem. Meu pai conseguiu despistá-lo, induzindo-o a acreditar que ele estava com você... enquanto vocês fugiam. O plano era perfeito... se esse assassino não tivesse percebido tudo quando vocês já haviam fugido, e ido atrás de minha mãe, querendo que meu pai pagasse por ter entrado em seu caminho duas vezes.

-Não... -sussurrei colocando a mão na boca, ao entender o que ele iria falar.

-Ela estava comigo. -ele encostou o rosto nos braços, os olhos fixos nas janelas. -Acho que... foi a última vez que a vi. Na verdade, não me lembro de muita coisa. Eu era muito pequeno. Só me lembro de ser achado em um barracão. Saulo a matou sem piedade alguma...na frente de meu pai.

O silêncio ficou mortal no quarto. Eu o olhava tentando decifrar sua expressão, mas ele era bom em camuflá-las. Um sentimento diferente se formou em mim. Uma espécie de pena... compaixão... para ser mais exata.

Guerreiros de Argon -Floresta dos AnjosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora