6. Hatuey: sob as ordens de dois líderes

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Aimaco era o terceiro de uma geração de poderosos bohiques do território de Maguá. Alto, forte, extremamente tatuado e adornado com uma série de enfeites e pinturas, estava sentado na parte central da maior das três embarcações, como que em transe, cercado de dois outros homens mais jovens que ele, que abanavam espécies de leques feitos de enormes penas coloridas de aves, lhe refrescando do calor. Um outro rapaz, sentado ao seu lado, mas recostado à beirada da canoa, mantinha aberta uma cobertura como um guarda-sol sobre ele, protegendo-o dos raios quentes do astro, que se erguia no horizonte azul do mar, indicando que faltava menos de uma hora para o meio dia. Completando o grupo havia ainda quatro outros homens fortes, que remavam conduzindo a canoa para os lados do sol nascente.

Duas outras canoas acompanhavam a embarcação do xamã, mar adentro, agora bem afastados da praia. formando uma espécie de comitiva. Em todas elas havia quatro homens remando. Em uma delas, em meio a uma grande quantidade de mantimentos, encontrava-se o menino: a criança de quem as profecias falavam. Hatuey, que dormia sob o sol quente. Sobre ele um guerreiro mantinha um guarda-sol, velando pelo sono da criança.

Na outra canoa, cuidadosamente enfeitada com flores e contendo vários objetos de cerâmica com perfumes e fragrâncias que subiam aos céus em oferta ao deus desconhecido, encontrava-se o corpo da criatura encontrada na praia. O ser estava bem diferente. Pinturas e enfeites coloridos ornavam seu corpo esquelético e branco. Sobre o peito imaculado e nu, repousava uma grande máscara feita de pedra dourada, presa ao corpo a partir de colares e cordões novos feitos de algodão. Também usava braceletes, brincos, pendentes no nariz que reluziam ao sol da manhã. O corpo estava estendido sobre tecidos, de barriga para cima e sua calça original, limpa e ornamentada, estava novamente costurada sobre ele.

De repente, em sua canoa, o xamã pareceu sair de seu transe. Se movimentando, procurou com o olhar um dos jovens que o abanavam.

— Traga-me água, estou com sede — ordenou.

O rapaz deixou por instantes o seu abanador, depositando-o na canoa, e movimentando-se com cuidado para não balançar a rústica embarcação, dirigiu-se ao local onde se encontrava um grande vaso de cerâmica. Inseriu uma vasilha feita do fruto seco da cabaça e providenciou a água para o líder religioso. Verificou também que aquela vasilha estava pouca água. Com isso, sobravam somente duas outras vasilhas de água para eles chegassem ao destino e voltassem à ilha.

Aimaco tomou a água e devolveu a vasilha. O xamã tinha mais de quarenta anos e de suas orelhas, nariz e braços pendiam enfeites feitos das pedras douradas. Sua imponência demonstrada no corpo ereto, no serviço dos outros para com ele e no seu estado de transe religioso, indicava a sua natureza: sentia-se um servo escolhido e enviado por seu deus Yocahu Bagua Maorocoti e, dessa forma, protegido e guiado por ele. Sabia do seu papel e da sua importância nesses que considerava como sendo os tempos do fim. Ele sabia ainda mais da importância do menino.

***

A convocação fora rápida e inesperada, mas quando Aimaco visualizara o corpo da criatura albina encontrada no mar, Yocahu, o senhor dos céus e criador de tudo que existe, revelara imediatamente a ele o que deveria ser feito. O ser pertencia a uma raça de seres que viviam e se alimentavam das pedras douradas. A visão que o xamã tivera o chocara intensamente e o teria jogado em uma cama paralisado até à morte, não fossem a preparação pela qual passara, de forma intensa e apressada, desde as primeiras visões.

— Providencie muitas pedras douradas — ele dissera a Guarionex, o grande chefe do território de Maguá, assim que se recuperara do susto e choque ao ver a criatura. — Temos que devolver a criatura ao mar o mais rápido possível. E precisamos levar oferendas para seus deuses.

Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde as histórias ganham vida. Descobre agora