4. Arari

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A mãe colocou um último enfeite na menina: um colar feito de sementes de Yvyrá Pytã, a árvore vermelha que além das sementes e cascas dos frutos usados nos ornamentos, fornecia a tinta para a pintura dos tecidos das roupas. Como todos os outros da sua etnia, casta social e idade, Arari não usava nada que pudesse ser denominado de vestes, somente adornos variados. E a menina exibia-os em uma harmonia perfeita, destacando ainda mais sua beleza natural.

Porém, mais que um enfeite, no colar que a mãe lhe colocara por último, tinha também um pequeno invólucro costurado. Dentro dele uma protuberância que indicava a presença de algo desconhecido da menina: um objeto benzido e abençoado, provavelmente uma pedrinha ou uma semente dura e resistente, dedicada ao seu Deus. Enquanto ela estivesse com o colar no pescoço, estaria protegida das intempéries da vida e de algum mal espiritual que alguém pudesse lhe intentar. Pelo menos era nisso que a família e o grupo acreditavam.

— Pronto, filha. Você ficou linda e está bem protegida — dizendo isso, a mãe desceu com as mãos pelo comprimento do cabelo da menina, acariciando-os. Se afastou um pouco e a observou atentamente. — Você pode ir brincar com suas amigas agora.

Arari estava radiante com seus novos enfeites. Não tinha mais que sete anos, seus cabelos pretos, recentemente cortados, exibiam uma franja perfeita e caiam-lhe pouco abaixo dos ombros, terminando em um corte reto. Nos tornozelos, braços e antebraços, fios tecidos com penas e sementes coloridas identificavam também o grupo ao qual ela pertencia: os nobres.

A mãe de Arari era a irmã de Maireni, o atual cacique de Maguana, território localizado no centro-leste da ilha de Quisqueya. Considerando que a linha de sucessão se dava através do filho ou da filha da irmã do cacique, o irmão mais velho de Arari, Caonabo de dezoito anos, que a observava feliz e orgulhoso, seria o futuro cacique; seguido de Manicatex, de dezessete anos. Mas ela tinha ainda três outros irmãos: Guatiao, Marionex e Manatih que se encontravam fora, em uma outra aldeia, morando e tendo a formação para serem adultos e guerreiros do clã. Arari era a mais nova.

No rosto de todos os adultos de sua casa havia uma imagem, como uma cicatriz apagada, que lembrava a forma de uma rã. Era gravada quando passavam pelos ritos da puberdade e considerados adultos. Arari ainda não tinha esse símbolo e nem o outro que definia a etnia. Ela era muito pequena.

Por vezes, Caonabo ficava quieto, deitado na rede em sua casa, vendo a vida correr através das pessoas que ele amava. Um desses momentos, com certeza, era aquele enquanto observava sua mãe colocar enfeites novos em sua irmãzinha.

A menina passou a mão pelo colar, encantada com sua beleza e textura. Depois acariciou as penas e penugens dos outros enfeites, atenta à maciez e às diferentes tonalidades. Sua mão e seu olhar desceram e pousaram, em seguida, sobre os outros ornamentos. Ainda que sem visualizar a sua própria imagem, Arari concordava que estava mesmo bonita. Seus lábios esboçaram um sorriso contido.

— Estou bonita, vovó? — perguntou à idosa que a observava quieta.

— Está sim, Arari. Está muito bonita. Agora vai brincar. E não se afaste muito.

A menina a abraçou e depois saiu da casa. Queria exibir seus enfeites novos às amigas que estavam no grande pátio central da aldeia. As outras crianças, provavelmente, também estavam como ela, afinal, esse era o dia da entrega da tecelagem.

Todas as mulheres da comunidade lavravam a terra, plantavam e colhiam o algodão juntas. E juntas trabalhavam na produção do fio e do tecido usados para confeccionar as redes, panos e cintos. Assim, todas terminavam mais ou menos nos mesmos dias as roupas novas e as entregavam aos parentes. As mulheres casadas teciam para si as tangas que lhes cobriam parte do corpo e as jovens e as pequenas recebiam enfeites feitos a partir do fio.

As casas da aldeia eram todas semelhantes, erguidas com paus e cobertas com palhas de palmeiras. À primeira vista pareciam frágeis, principalmente se considerasse as fortes tempestades e ventos do verão. Mas, na realidade, ofereciam o abrigo e segurança necessários nesses momentos e em outras variações do clima. Também protegiam contra as principais espécies de animais.

Arari, já do lado de fora, atravessou o pátio e foi em direção às outras meninas de sua idade. Como imaginava, muitas delas estavam com seus enfeites novos. Algumas também usavam amuletos.

— Olha a Arari! — disse uma das meninas.

Todas olharam para a pequena Taíno que se aproximou do grupo, tocaram e admiraram seus enfeites. A menina também comentou dos ornamentos das outras. Mas logo todas deixaram de lado a novidade do dia e voltaram às brincadeiras costumeiras. Era comum as meninas fazerem bonecas com sabugos dos milhos e com pedaços de paus e passaram a brincar com elas.

Duas araras pousadas em uma árvore próxima, observavam e faziam companhia às crianças, pulando de galho em galho. Pertenciam à família de Arari, da arara vermelha viera o nome da garota.

De repente as araras se agitaram e fizeram um barulho estridente, em um evidente sinal de satisfação. Alguém se aproximava e elas reconheceram quem era. Um rapaz veio por trás da pequena menina e a ergueu.

— Adivinha quem é?

— Caonabo! — disse ela junto com as outras.

— E aí, minha irmãzinha preferida, está feliz com o enfeite novo? — disse colocando-a no chão e olhando direto para ela.

— Estou sim, olha!

O irmão fez um gesto como se fosse tocar nos ornamentos e, no último instante, desviou a mão fazendo cócegas na garota. As meninas riram felizes. Ele ergueu a irmã e a rodopiou no ar.

Esta era a imagem do príncipe do cacicado de Maguana: um jovem alegre e forte, muito brincalhão e divertido com crianças e que adorava sua irmã mais nova. Mas como sucessor do cacique Mairení, o jovem era preparado e treinado em várias habilidades e uma delas era a de defender, com a própria morte, se necessário fosse, o cacicado e todos que moravam ali.

Assim que Caonabo colocou sua irmã no chão, um outro rapaz se uniu ao grupo vindo do jogo de bola. Era Manicatex. No rosto ele também tinha a imagem da rã. Manicatex era muito parecido com o irmão mais velho.

— Vamos para o rio, mano? Está todo mundo lá — ele convidou Caonabo animado.

— Bem que eu queria, mas você se esqueceu que o tio está nos esperando?

— Ah, é! Verdade! O que será desta vez?

— Sei não. Mas não deve ser nada muito sério. Deve ser para acompanhá-lo a algum lugar.

— Então vamos lá — sua voz demonstrava um pouco de desânimo.

— Bom, Arari — Caonabo se dirigiu a sua irmã —, a brincadeira estava boa, mas precisamos ir. Podem continuar com as bonecas de vocês.

— Vocês vão no tio para quê? — a menina perguntou.

— Passear, Arari, passear. Fui!

Caonabo e o irmão atravessaram o pátio cercado de pedras pintadas com motivos de animais. Circundaram um outro espaço onde vários jovens jogavam e se aproximaram da única casa retangular da aldeia, a casa do cacique.

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Tatuagem símbolo da etnia - rã 

Tatuagem símbolo da etnia - rã 

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Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde as histórias ganham vida. Descobre agora