7. Anacaona: flores amarelas também murcham

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O irmão colocou no pescoço dela o enfeite de pedras douradas, afastando seus cabelos ainda molhados do banho que acabara de tomar.

— Agora sim, ficou completo! Está com todos os adornos.

Anacaona olhou para o último enfeite colocado nela. Moldado pelos melhores artesãos de Jaraguá, polido com produtos escolhidos, o enfeite brilhava entre os outros que cobriam parte de seus seios. Tinha a forma aparente de um rosto, representava sua etnia e cacicado.

Deu um suspiro profundo, olhando para o irmão que acariciava seus enfeites colocados pelas mulheres da casa.

— Eu não quero me casar — disse num tom quase não ouvido por ele.

Magiocatex a olhou ternamente. Suas mãos saíram dos cabelos e foram para o pescoço dela. Atraiu-a suavemente para si, pousando a cabeça dela sobre seu peito. Beijou sua cabeça com carinho.

As mãos dela deslizaram sobre os braceletes, também feitos de pedras douradas. Estes formavam um conjunto com os enfeites dos tornozelos, com os brincos e o pendente do nariz. Todos dourados e maravilhosamente talhados.

— Um presente do meu futuro marido que nem imagino quem seja — sua voz demonstrava a frustração de uma vida. — Eu falei para o tio que não queria, que não ia me casar.

O irmão a aconchegou ainda mais a si, abraçando-a carinhosamente:

— Se serve de consolo, também não conheço com quem me casarei.

— É, não serve de consolo, não. Você sempre quis se casar. Quer ter muitas mulheres. Pode ter quantas mulheres quiser.

Magiocatex não disse nada. Por um lado, ela tinha razão, poderia ter várias mulheres. Mas uma parte importante ela ignorava: a que ele aceitaria ficar só com uma, se fosse possível ficar com a que ele queria.

— Pensei que o nosso irmão não ia fazer isso comigo. Pedi tanto a ele. Quase implorei.

— Eles sempre fazem, mana. Sempre fazem. Não têm como fugir disso. Se recusar dar uma moça em casamento a um futuro cacique é uma declaração de guerra. E você sabe o que vem com as guerras: muitas mortes de ambos os lados.

— Nem sei se é velho, jovem, alto, gordo. Não tenho a menor ideia de quem seja.

Magiocatex não disse nada. Ele acompanhara de perto as propostas que foram feitas ao tio. Vários foram os pedidos da mão da irmã em casamento. Mas havia dois candidatos, dois pedidos dados como oficiais e, no entanto, ele não sabia quem tinha sido selecionado no final. Na verdade, nenhum dos dois, ele ou a irmã, conheciam pessoalmente qualquer um dos pretendentes e ela também não era conhecida por eles.

Mas isso não importava, o casamento era um mero acordo político. Mensageiros trouxeram os pedidos. Os candidatos sequer haviam ido na aldeia, sequer haviam colocado os olhos nela. O tio cacique ficou em dúvida de quem escolher. Basicamente estava entre escolher quem seria um aliado e quem seria um possível inimigo. A escolha fora muito estudada.

O que o Magiocatex sabia dos pretendentes, e que já tinha passado para a irmã, era que um deles era bem mais velho e já tinha outras esposas. Essa informação fora transmitida ao irmão cacique por um mensageiro. Dessa forma, se este fora o escolhido e se não se agradasse de Anacaona, ela seria procurada por ele como esposa só eventualmente. Ainda assim, ela não poderia mais se desvencilhar dele quando o compromisso fosse assumido.

O outro pretendente era bem mais jovem, tinha uns dezoito anos. Ainda não era cacique e não tinha esposas. O arranjo e o pedido foram feitos pelo tio deste, o chefe do cacicado de Maguana. Mas Anacaona sabia que o tio temia o cacique de Maguana, pois a família paterna do rapaz era tida como sendo descendente do povo Caribe, conhecidos como canibais e encolhedores de cabeça. Na verdade, muito disso era somente lenda. Mas as duas etnias já tinham sido grandes inimigas no passado. Houve muitas guerras tribais envolvendo os dois grupos. Os Taíno nunca queriam se colocar novamente no caminho deles.

Magiocatex se afastou da irmã e se levantou.

— As mulheres continuarão a preparar você. É preciso que esteja muito linda para conhecer e estar com seu futuro marido. E você precisa conquistá-lo. Só sendo a preferida dele, você terá todas as regalias e os melhores presentes. Se você o conquistar, ele fará tudo por você. E hoje isso será decisivo. Se o tio tiver escolhido o mais velho, ouvi dizer que gosta muito de ornamentos com as pedras douradas. Ele te dará muitos deles.

— E para que eu vou querer mais do que os que já tenho? Não se come ornamentos, tampouco eles matam a sede. Eles não têm utilidade, são pedras inúteis do rio. Bonitas, mas inúteis. Com elas não se cura as doenças e não se aplaca uma guerra.

O irmão a olhou admirado, mais uma vez. Suas palavras eram sensatas. Os enfeites só tinham importância enquanto atraíssem o bem, o amor. E não era o que ela estava sentindo naquele momento. O rapaz deu outro beijo na testa da irmã e saiu do local: uma parte da casa que fora fechada especialmente para que Anacaona permanecesse reclusa nos últimos dias, se preparando para o casamento que finalmente chegara.

Quando o irmão saiu, Anacaona olhou para a porta. Amah, a arara, reclamava barulhenta no outro cômodo para onde a porta dava. A jovem conseguia ouvir também os sons vindo de fora, a festa já acontecia com muita comida, bebida fermentada, músicas e danças. Os tambores, flautas e cânticos soavam em alto e animado som. Queria estar na festa, queria que não fosse ela a noiva. Gostava de festejar, de cantar, de criar poemas. Mas nesse dia toda a sua inspiração tinha acabado. E não tinha ideia se voltaria algum dia.

Nas montanhas, no seu lugar preferido, ela sabia que as flores amarelas que lhe deram o nome continuavam lindas e resistentes. Anacaona não tinha voltado às suas flores e ao seu lugar favorito, nos últimos dias. Sabia que se mudaria para a casa e aldeia de seu futuro esposo. Provavelmente nunca mais estaria entre as flores amarelas. Seu mundo, sua liberdade, acabava ali.

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Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde as histórias ganham vida. Descobre agora