O último barco

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Antes mesmo de abrir os olhos, Andrew sabia que estava na pousada. Sentia o cheiro do lugar e lembrava-se dele.

Quando compreendeu isso, abriu os olhos imediatamente:

– Como é possível?

Andrew olhou bem a sua volta.

Realmente estava na pousada, deitado numa cama.

Levantou-se devagar a observar o espaço. Era um quarto com umas três camas vazias. O corpo estava dolorido como se tivesse feito uma série de exercícios sem se aquecer. Nada demais. Apesar disso, sentia-se leve e a luz do sol forte que entrava pela janela deixava-o com uma sensação onírica. Levantou-se e caminhou devagar até um antigo móvel de penteadeira que lá havia.

– Eu... estava sonhando?

Andrew perguntou a si mesmo diante o espelho.

E o Andrew do espelho parecia o olhar de volta com outra indagação; eu realmente estive acordado antes?

Quando passeou o olhar em si mesmo, viu que debaixo de sua blusa desabotoada havia uma coisa. Quando a abriu, revelou um desenho em seu peito. Não era parecido com nada que já tivesse visto antes na vida. Eram traços geométricos perfeitos. Curvas, meias luas, pequenos traços desenhados de forma simétrica, com a precisão de um compasso. Andrew ficou tão hipnotizado pelo desenho que só pensava em torna-lo permanente! Queria tatuá-lo como estava! Mas logo após isso, veio-lhe uma intuição de que fosse o que fosse esse símbolo, era algo particular.

– Melhor eu não exibir isso a todos... Mas eu não posso perder... já sei! Vou fazer ele em algum lugar que eu possa esconder e pequeno, assim mesmo se virem por acaso, não saberão que é... Nem eu sei, mas sei que é meu! E que é só meu...

Andrew saiu da pousada, que no momento estava vazia. Dirigiu-se com suas coisas imediatamente para o barco. Queria voltar pra casa, talvez pegar algumas coisas... Ou talvez não estivesse pensando muito, apenas se deixou guiar pelos movimentos de seu corpo.

Subiu atrasado, menos de cinco minutos antes do barco partir.

As pessoas se ajeitavam no pequeno convés, animadas e ocupadas consigo mesmas. Andrew foi para um canto, evitando qualquer contato. O que foi desnecessário, a cidade já havia ensinado às pessoas a indiferença para com o que não lhes interessa (incluindo seus semelhantes).

Haviam estudantes e uma família com filhos. O sol estava muito brilhante, e conforme se distanciavam, Andrew via melhor as cores das casas vibrando, a luz refletida na agua quase cegava, e o tempo parecia andar devagar. Apesar das casas que ele queria tanto ver, a visão não foi suficiente para preenchê-lo.

De repente uma forte brisa marinha invade suas narinas, fazendo-o se estremecer. Percebeu então que o barco estava parado, as pessoas um pouco curiosas, quando o comandante diz que tiveram um problema, mas que seria solucionado logo, que não havia com o que se preocupar, e que, por estarem perto da costa da ilha dos pescadores, eles poderiam aproveitar para nadar caso quisessem. Faziam confortáveis dezoito graus naquela manhã de verão. Em vinte minutos o barco voltaria a seu curso. As crianças que vieram com a família se animaram, e convenceram os pais a permitir que nadassem.

Andrew apenas observava discretamente aquelas pessoas na água. Sentia-se estranho. Parecia tão familiar e bom, mas... aquelas pessoas lhe eram tão estranhas, tão mais estranhas do que antes. Preferiu ficar no seu canto, sem chamar atenção.

Foi quando ele percebeu um rapazinho na água. Os adultos não repararam. Devia ter doze ou treze anos, e brincava com as crianças. Pareciam se divertir. Mas em certo momento, elas começaram a se incomodar com o rapaz, que não as deixava brincar direito, e não queria que elas subissem no barco. O menininho subiu e estava dando a mão para a irmã subir, quando o rapaz segurou o tornozelo dela e puxou, sorrindo. O que foi um simples gesto de brincadeira, começou a assustar as crianças quando se repetiu seguidamente por três vezes. Os adultos pareciam não perceber até então.

O rapaz então, deu um impulso determinado a puxar a menina de vez, e o irmão se desesperou prevendo sua intenção. Foi quando Andrew reparou um estranho desenho no ombro do rapaz, com umas curvas, meias luas, e pequenos traços desenhados. Era o seu desenho! E quando pensou isso, o rapaz olhou diretamente para Andrew, surpreso, enquanto já agarrava o tornozelo da menina.

Andrew pulou na água. Todos olharam surpresos com o barulho, tendo finalmente sua atenção apanhada.

Viram apenas o grande volume de água subindo, e as crianças não estavam mais lá. O piloto do barco pulou no mesmo instante que os irmãos surgiam na superfície. As crianças estavam assustadas, diziam que havia alguém no mar. Os tripulantes se agitaram. Afinal quem estava no mar? Começaram a se contar. Não se lembravam de ninguém. As crianças insistiam, um homem caiu na água e segurou o menino que estava tentando arrastar a garotinha para dentro do mar. Havia um rapazinho e um homem? Todos se recontaram mais uma vez. O piloto submergiu, foi procurar vestígios abaixo. As crianças estavam assustadas, afinal não foi boa ideia ter as deixado nadar em alto mar, ficaram tão assustadas que estavam vendo coisas. O piloto retornou, não havia nada lá embaixo. Quando verificaram nos registros, não havia ninguém ali registrado que não estivesse no barco, pois todos assinaram dez minutos antes do barco sair. As crianças se assustaram, ficaram impressionadas. Entenderam que foi apenas exagero delas, e logo partiram.

Alguns dias depois, roupas foram achadas na praia de Copernicus; boiavam um par de tênis para hiking, camisa, calça... A cidade de Copérnico sequer sabia quem era Andrew Byrnes, sua lembrança foi tragada junto com as águas pluviais, e dispensada no mesmo destino; o mar.

Erao que lhe estava faltando, afinal. 



FIM

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