Estigma

63 14 3
                                    

Depois do rapaz ser carregado para o seu lugar por um dos nativos, Akna levantou e deu uma longa olhada para todos da roda. Virou-se para a mocinha inuíte que estava mais próxima dela e caminhou em sua direção. Estendeu a mão, passando-a nos cabelos da menina sem olhar para ela, como se fosse apenas um cumprimento. Seguiu para um rapaz ao lado, pegou em seu queixo levantando-o e encarando. Segurou o colar que o rapaz usava, que era semelhante ao de todos na roda, igual ao que Nanook dera para Andrew, e tirou do pescoço dele. Soltou seu queixo com delicadeza felina e estendeu o colar ao velho, que o recolheu. E assim prosseguiu com a moça ao lado. O próximo seria Andrew, que estava sentado de forma troncha, em transe. Em seguida a moça loira num estado semelhante. Akna pulou esses dois, e fez o mesmo gesto de tirar o colar das duas pessoas seguintes. O velho então olhou para a jovem que no início cantava e entregou-lhe os colares:

– Leve essas pessoas ao sábio do pé da montanha!

Todos se olharam curiosos e levantaram-se para seguir a moça, que se retirava do local. Akna observava o movimento com atenção. Quando todos saíram, ela olhou para os homens, que sem ouvir uma palavra ou gesto, recomeçaram a tocar os seus tambores e cantar. Todos cantavam agora, inclusive Akna.

Ela foi até um dos nativos mais velhos, um homem por volta de quarenta anos, o pegou pela mão e o levou até a moça loira. Ela se abaixou e o velho lhe trouxe um pote com água, que Akna usou pra limpar a tinta com a qual pintou a moça. Debaixo da espessa camada disforme da tinta, surgiram umas manchas na pele de formatos muito bem desenhados. Era uma bela padronagem geométrica com muitas linhas retas e dinâmicas. Ela passeou pelo corpo da moça onde tinham essas manchas, pegava com muita atenção e cuidado, examinando. Akna então, começou a desenhar algo no peito na moça com um tipo de caneta marcador. Ao terminar, olhou para o homem. Ele entendeu que esse era o sinal da moça. O velho, com a ajuda do homem, deu algo de beber à jovem, que a fez sair um pouco do estado de inercia.

Akna parou em frente a Andrew e olhou bem.

As marcas no corpo dele eram lindas e arredondadas, pareciam com os desenhos feitos pela luz, quando atravessa a agua límpida e movimentada da margem de um rio de areia fina e branca. Elas emitiam uma luminescência sutil, mais clara que a pele dele, que já era muito pálida. Ela então abriu seu casaco e blusa ainda mais, deixando seu peito nu, e também começou a desenhar nele.

Quando fazia isso, Akna que já evidenciava estar num estado de consciência diferente, ficava ainda mais longe desse mundo, às vezes olhava para o céu, como se enxergasse coisas que ninguém mais via. Ficava assim uns instantes e depois voltava a fazer o desenho. O velho se aproximou e também deu de beber a Andrew. Outro homem veio ajuda-lo.

A música então pareceu ficar mais animada e forte, e os homens começaram a fazer alguns movimentos corporais, que parecia um movimento como o do tai chi chuan. Eram leves e circulares, quase uma dança. Eles estavam em frente ao rapaz e a moça e seus movimentos eram diferentes, mas cadenciados com a música. Os jovens acompanhavam os movimentos com a cabeça e logo começaram a se levantar ainda cambaleantes. Seus corpos pareciam reconhecer aquela dança e lentamente, como uma criança que aprende a andar, imitaram os homens.

O canto gutural dos inuíte e o som do tambor deixaram todos em outro estado de consciência, e eles faziam os movimentos e dançavam. Até que os jovens caíram de exaustão. Akna também estava exausta, parte de seu cabelo estava grudado em seu rosto e pescoço, de tanto que suava. A menina nativa chegou perto de Akna, que já cambaleava, e a cobriu com o manto. Levou a xamã até a pedra e a sentou lá. Ela agora respirava forte. Apesar disso, parecia tranquila.

O velho se aproximou da jovem xamã e colocou as mãos em suas costas já cobertas com o manto, verificando se ela estava bem.

Agora, ela estava apenas com algumas pinturas e seus olhos voltaram a parecer com os de qualquer outra pessoa. Ela se levantou e foi acompanhada pela menina. O velho falou com os outros nativos e todos começaram a se retirar e a carregarem consigo os jovens.

Latente - EstigmaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora