A ilha

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A noite estava fria, mas o céu era límpido e de um azul tão profundo que fazia a todos compreenderem o que era infinito. As estrelas brilhavam maravilhosamente. E ali, próximo à Ilha dos Pescadores e longe da cidade e suas luzes, ele percebia que o mundo não tinha mesmo fronteiras. Pois não havia divisão possível de se ver; o escuro do mar se confundia com o escuro do céu. Era tudo uma mesma coisa. E agora que estava na proa de um pequeno barco, com o vento no rosto e a visão limpa, ele se sentia realmente pequeno.

Andrew estava ansioso e nada certo de sua escolha, mas a tristeza que o preenchia era tanta que ele precisava curá-la. Diziam que ele estava depressivo, pois quem mora nessas partes do planeta é dado a melancolia.

Estavam no mar de Bering, mais precisamente no arquipélago de Prometeus, e lá existem épocas do ano que o sol quase não nasce. Os mais inventivos e sensíveis, dizem que esse espirito da escuridão que os deixa mais introspectivos e por vezes, tristonhos.

Seja o que for, Andrew se achava num estado de ânimo lamentável.

De uns tempos pra cá começou a ter sensações estranhas, variações de estado de humor abruptas. Por vezes era dominado por grande euforia; praticava então esportes, visitava os poucos amigos, saia para compras. Mas outras vezes, simplesmente tinha vontade de chorar, e sentia um grande vazio inexplicável. E essa segunda fase foi bem extensa, tanto que as pessoas do trabalho começaram a se preocupar, e outras e se irritar. A gota d'água foi quando, em um dia qualquer, um de seus supervisores resolveu implicar com o seu trabalho. Andrew então se transformou completamente e, se não fosse a ação rápida dos colegas das mesas ao lado, o homem não escaparia sem uma mordida.

Foi um choque no trabalho, quem imaginaria que o pacato e comum Andrew Byrnes iria surtar assim? Ele trabalhava no escritório fazia quatro anos, e de uns cinco meses para cá, puft! Mudou várias vezes, de forma inexplicável. O encaminharam aos psicólogos da empresa, que diagnosticaram estresse e recomendaram férias.

Mas não foi exatamente isso que o levou à ilha.

Andrew estava de férias por um mês. Sentia-se muito mal com o que tinha acontecido; ele não entende por que quase atacou seu colega. Bem verdade que não gostava dele, mas daí, a querer morder a garganta do homem e mastigar, era demais.

E era exatamente essa a vontade; mastiga-lo! Arranhar e arrancar pedaços. Como se ele fosse um lobo jovem que cansou do macho alfa, e agora queria "mostrar só uma coisa" pro velho, de uma vez por todas!

Depois de passada a situação, Andrew tentava recriar a cena em sua cabeça e entender o que sentia. Mas não entendia. As vezes achava que entendia, mas logo passava a certeza. Estava ficando maluco, era isso. Não sabia por que queria matar o cara, não entendia o que sentiu e agora só pensa em ficar deitado na cama o dia inteiro, vendo o dia passar pela janela, sentindo pena de si mesmo, os olhos quentes e as bochechas molhadas. Eu tenho só vinte e três anos, ainda tenho uma vida inteira pela frente, porque estou me sentindo tão exausto? Era o pensamento com o qual começava e terminava o dia.

Até que um casal, amigo seu, foi passar um final de semana com ele.

Viram que o estado do amigo era realmente muito confuso e preocupante. Andrew, Julie e Maik O'Brien eram amigos desde o colégio. Julie e Maik foram juntos pra faculdade e se casaram. Os dois eram biólogos marinhos e pessoas com uma disposição incansável e dados à gostos rústicos.

Conversando sobre os acontecimentos e como Andrew andava se sentindo, Julie sugeriu que o rapaz fosse passar uns dias na Ilha dos Pescadores. Lá ele iria ter contato com a vida simples, pessoas mais simpáticas e receptivas e entrar em comunhão com a natureza, que para ela era o que lhe faltava.

Latente - EstigmaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora