"Mas precisavam saber, não é?", os olhos dela brilhavam. É claro que precisavam saber. Não eram meras pixações, eram textos e mais textos escritos por alguém. Podem ser de algum desconhecido, de algum doido, ou drogado como Costa havia dito, mas também poderiam ser o contrário. Poderiam ser de alguém importante, algum antigo morador, ou hóspede que decidiu criar sua obra nas paredes do sótão, fazendo dele o seu livro único e assim tornando toda a casa inestimável. Imagine um Machado de Assis, ou um Jonathan Swift recluso escrevendo dia após dias suas missivas para a posteridade? Sua última obra, talvez inacabada, quem sabe, ou melhor, a última desconhecida. Póstuma!

"Vocês trabalham com livros na universidade, têm projetos de restauração e de pesquisa de obras perdidas. Será que podem descobrir o autor disso tudo? Quem sabe datar e ver se é algo importante, ou valioso de algum jeito?", era óbvio o desconforto de Costa com aquilo tudo. Estava habituado com coisas mais simples na advocacia.

"Isto que me entregou são as únicas cópias?", disse ela folheando uma a uma as páginas datilografadas.

"Não, há uma num cofre no centro. Certifiquei-me de que mais ninguém tivesse acesso. E então?"

"O quê?"

"Consegue descobrir o autor?"

"Bem", disse ela sorrindo por trás dos óculos de aros grandes e finos, "vamos tentar".




Cristina montou o seu posto de trabalho em um dos cômodos do segundo andar. Não tencionava passar noites ali, mas era interessante ter algum lugar onde se sentar e escrever suas cartas. Afinal, não existia uma forma diferente de fazer a pesquisa. Não havia um lugar onde pudesse ir e pesquisar por trechos de textos, ou estilo caligráfico. A única forma era por meio de cartas, apelando à presteza dos colaboradores da rede de pesquisadores do mundo.

As coisas seriam mais fáceis, se ela possuísse o apoio do seu próprio departamento, mas Cristina decidiu contar à ninguém da universidade. Aquilo seria a sua pesquisa e não a do departamento. O nome no artigo que iria escrever seria apenas o seu, nada destes professores que querem apenas levar a fama e dar pontos ao seu programa de pós-graduação. Quando leu a carta de Gabriel na hora da triagem diária da correspondência, viu ali uma oportunidade, mas não esperava tanto. Será que haviam encontrado um livro antigo? Ou a cova rasa de algum escritor? Imagine se são as duas coisas juntas!

A primeira coisa a fazer era planejar as ações. Muitas pessoas acreditam ser perda de tempo esse momento, mas a verdade era outra. Se não fosse organizada, teria retrabalho, ou pior, não teria rigor científico. Resolveu fazer um diário da pesquisa, para deixar tudo documentado. As primeiras linhas traziam o nome da pesquisa (A Casa da Esquina), a data (23 de março de 1973) e o seu nome (Cristina A. Celestrino). Achou que ficou muito bem na página. Olhou as demais folhas e pensou, "o que fazer agora?"

Ela sabia que o seu primeiro passo real era entender o "estado da arte" do seu problema, ou seja em que pé se encontrava tudo aquilo antes da sua ação. Mas como fazer? Rascunhou alguns tópicos no caderno: 1) conhecer a história da casa: era fundamental saber quem fora proprietário e quem morara ali para tentar encontrar algum perfil que se enquadrasse no autor sem nome. Talvez procurasse algum vizinho para perguntar ou iria ao arquivo público municipal. 2) Ler os textos: estava ansiosa por este passo, como amante dos livros e da literatura, queria muito saber daquela história, o que teria escrito aquele desconhecido do passado? 3) Enviar os trechos da história para especialistas: precisaria tirar fotos das paredes. Anotou num canto da página: comprar câmera. Para início, aquilo tudo estava de bom tamanho.

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