Mauro recusou educadamente e tentou a sorte com alguém que não se apoiava nas paredes para andar. Uma mulher de preto, com um chapéu que segurava um véu sobre seu rosto. A mulher o olhou por trás dos pontos negros como se não entendesse a língua que ele falava, mas então respondeu:

"Desculpe, não sei nem o que estou fazendo aqui. Já faz muito tempo que não bebo e aguardo meu carro para partir. Mas não encontro meu chofer. Vim aqui para beber a partida de meu marido, mas agora não sei mais o que estou fazendo aqui. Se encontrar Jarvas, por favor diga-lhe que estou aqui". Então, ela se virou para frente e continuou a sua busca.

Ele andou mais por ali. Interpelou outras pessoas, mas ninguém sabia do dono da festa. Alguns queriam muito conhecê-lo e agradecer a melhor festa que já tiveram em anos, mas a grande maioria não tinha tal preocupação. Achavam até desnecessário e um ato de pouca inteligência. Teve que escapar de outros garçons e principalmente dos animados da festa.

Resolveu entrar na casa, quem sabe lá não tivesse mais sorte. Os empregados entravam e saíam apressados pela cozinha, levando guloseimas e drinks para os convidados. Na sala principal havia diversas pessoas conversando. Mas nem sinal do anfitrião. Na bilblioteca encontrou alguns casais que conversavam na penumbra, mas imaginou que não encontraria o que procurava ali. Foi quando viu um cavalheiro distinto de frente para o vitral. Ele examinava a vidraça com interesse segurando um monóculo à frente do rosto e vez ou outra seguia as linhas das junções até a ponta mais baixa.

"Com licença, conhece o dono da casa?", perguntou Mauro sem rodeios.

"Decerto", respondeu o cavalheiro se voltando. Ele possuía bigodes brancos aparados e apesar de aparentar idade não possuía rugas na tez pálida de seu rosto. "Pelo visto o senhor não. Devo supor que seja um penetra".

Mauro não pode ler a expressão do homem, não sabia se estava sendo criticado ou simplesmente colocado em xeque numa brincadeira. Seu momento de indecisão abriu um sorriso no homem.

"O senhor Vanderbilty é muito atarefado, meu jovem. Nem sempre consegue estar nas próprias festas que organiza. Esta por exemplo, já se desenrola há três dias e até o presente momento não o encontrei em qualquer cômodo".

"Três dias!", assoviou Mauro olhando ao redor. Só conseguia imaginar quanto custara aquilo tudo para manter tantos convidados entretidos por todo esse tempo, ainda mais em época de recessão mundial. "A casa é enorme".

"Sim, é", disse o homem se voltando para o vitral. "Dizem que foi trazida da Europa pedra por pedra pela família de Vanderbilty e reconstruída aqui exatamente como era lá".

"Sério? Nossa, por que isso? Digo, deve ter custado um dinheirão fazer isso, por que simplesmente não compraram outra aqui? Poderiam até fazer igual a esta aqui, ou até maior".

"Ora, o senhor com certeza concordará comigo quando digo que certas memórias são difíceis de deixar para trás. Para os Vanderbilties esta casa tinha mais do que apenas memórias, mas também as vidas daqueles que passaram por ela. Não se pode se abster de um compromisso desse. Como deixar para outros o fardo e o privilégio das histórias deixadas por gerações antes de você?"

"Mas é isso que vai acontecer, não é? Ele é velho, o filho morreu na grande guerra e sua empresa está falindo. Alguém de fora vai ficar com a casa, não é?"

"Está bem informado para um penetra, senhor..."

"Mauro Oliveira Campos", disse estendendo um cartão de visitas. "Trabalho para a Receita. Tenho uma intimação para o senhor Vanderbilty. Não conseguimos encontrá-lo em lugar algum, parece que ele não aparece para trabalhar há um bom tempo e nem vai para sua casa. Então ficamos sabendo dessa propriedade da família e do movimento que normalmente há à noite. Normalmente não faço visitas noturnas, mas é um caso especial".

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