Capítulo Três

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O ambiente foi dominado por um perfume amadeirado que se uniu ao cheiro de desinfetante vindo do corredor recém-lavado.

Não sei se ouve falha no sistema de refrigeração, mas sinto o ambiente ficar mais quente. Minhas mãos começam a suar e praticamente vejo minha consciência saindo pela porta do quarto.

Ambos ficamos paralisados no tempo. Nenhum passo. Nenhum movimento. Apenas olhares. Queria saber o que está se passando pela cabeça dele. Culpa? Vergonha? Tento procurar alguma resposta por trás daquele olhar, mas não consigo me concentrar com aquela barba rala que preenche parte do seu rosto.

Ao lado dele, percebo que Heloísa está inquieta. Até parece que está assistindo uma partida de tênis, já que está fazendo constantes movimentos com sua cabeça, procurando para quem olhar.

_Uma apresentação inicial cairia bem. – Heloísa quebra o silêncio.

_Apesar da situação, acho que você merece um "obrigado". – Dirijo minhas palavras para o culpado disso tudo.

_Apesar de você ter me feito perder uma reunião muito importante, acho que você merece um "não há de quê". – Ele rebate de forma tranquila. Sua voz grave atiça algo em mim.

_Acho que não preciso de mais nenhum minuto ao seu lado para saber o quão leviano você é.

_Acha que eu estaria aqui se eu fosse um cara sem compaixão com o próximo? – Suas palavras me fazem sentir no meio de um nevoeiro.

Percebo que Heloísa muda sua expressão a cada tiroteio de ironias.

_Acho melhor deixa-los a sós. Talvez estejam precisando de mim em outra ala do hospital. Qualquer coisa senhor Nicholas, já sabe onde está a campain... – Ela então é interrompida.

_Heloísa, por favor, poderia mostrar a saída do hospital? – Ele falava enquanto retirava algo da carteira. – Acho que não será mais necessária minha presença por aqui. E outra, tenho outros compromissos mais importantes para marcar presença.

Não se rebaixe Nicholas, não se rebaixe! Pensei comigo mesmo.

Então ele caminha em direção ao móvel do lado da minha cama, e pousa o que provavelmente seria um cartão de visitas. Só então, percebo que outros pertences meus estão ali, inclusive meu celular.

Com a aproximação dele sinto o seu perfume ganhar mais território. Também é possível ganhar mais detalhes do delinear do seu corpo. Demonstra ser um homem bem vaidoso. Alguns fios de seu cabelo cobrem seus olhos, o que impede minha aproximação com aquele olhar intenso.

Se valorize Nicholas, se valorize!

_Bom, acho melhor encerramos por aqui. Aceite minhas desculpas pelo transtorno. Não tive intenção. Nas próximas vezes, prometo não falar ao celular enquanto estiver dirigindo. – Finalmente consigo captar um pouco de culpa.

_Passar bem. – É tudo que falo.

Então ele vira seu corpo e caminha em direção da porta, mas antes de fecha-la, sou pego de novo por sua voz:

_Prazer, Bernardo.

E tudo que resta, são os ruídos do monitor cardíaco e um cartão de visitas.


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