Capítulo Um

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Entrevista de emprego. Avenida Paulista. Faixa de pedestres. Bebê chorando. Som de Buzina...

Essas são as únicas palavras que flutuam em minha cabeça quando abro meus olhos. No início não consigo distinguir o que vejo. Parece que estou com conjuntivite, mas creio que é algo pior, pois no meu braço vejo um cateter injetando em mim algum tipo de medicamento. Já em meu nariz tem uma mangueirinha que de certa forma faz cócegas, mas, uma cócega que irrita, e bem ao meu lado, uma máquina não para de reproduzir um som que atormenta meus únicos resquícios de paz. Logo deduzo que estou deitado em uma cama de hospital.

Não me lembro de ter atiçado uma colmeia de abelhas, só sei que minha cabeça parece estar dominada por um enxame delas. Sinto seus ferrões perfurar minha nuca. Fecho os meus olhos com a dor. Infelizmente não é apenas na minha cabeça, todo meu corpo parece está se recuperando de uma ressaca pós-balada.

Com dificuldade levanto minha mão para tocar minha cabeça, mas no momento nem consigo levantar o seu próprio peso.

Fome.

Não faço ideia de quanto tempo estou deitado nessa cama, mas deduzo que já faz um bom tempo que não coloco essa minha boca para trabalhar. Parece que meu próprio estômago está me devorando de tanta fome que sinto.

Aperto minha barriga em uma tentativa falha de acalmar a fera que rugi dentro de mim, e subitamente lembro-me de tudo que aconteceu. Da mosca voando, até o brilho verde do semáforo de pedestres. E o pior, lembro também que continuo desempregado.

Saio do devaneio quando vejo uma mulher toda de branco, provavelmente uma enfermeira, passar pela janela do meu quarto e me observar. Não sei se estou feio a esse ponto, mas as órbitas de seus olhos saltam para fora como se estivessem observando alguma assombração. Em seguida, ela sai em disparada.

Fecho meus olhos novamente esperando pelo pior, e me deparo segundos depois, com uma equipe médica entrando no quarto. Entre eles a enfermeira apavorada, um homem que não parava de anotar algo em uma prancheta, e um senhor, cujo cabelo é tão branco quanto à própria luz que ilumina o ambiente.

_Senhor Nicholas, como se sente? – Perguntou o homem de cabelo branco já se aproximando do meu peito com um estetoscópio. Vejo seu nome bordado em seu jaleco. Doutor Rodrigues.

_Faminto – Respondo com toda sinceridade dentro de mim. Todos riem.

_Justo. Você ficou inconsciente durante horas. Mas não se preocupe, a enfermeira Heloísa irá providenciar algo para você se alimentar – Imediatamente Heloísa saiu do local. Pelo seu jeito desengonçado, provavelmente é uma estagiária.

A minha fome impulsiona o meu cérebro a imaginar uma ceia de natal bem diante de mim, mas tenho que me contentar com uma canja de galinha e algumas torradas que Heloísa trás uns cinco minutos depois. Minha fome é tão grande que ignoro a falta de sal na comida.

_Graças a Deus, você não teve nenhuma fratura. O impacto maior foi em sua cabeça, o que explica o tempo que ficou desacordado, mas não se preocupe, não existe possibilidade de formação de coágulos.

Ao ouvir aquelas palavras, minha comida parece ganhar mais sabor. Livre de perigo. Não vejo a hora de saltar dessa cama e voltar pra casa.

_Mas você ainda precisa de alguns cuidados. –  Paro minha colher cheia de canja na metade do trajeto devido a notícia. Droga.  –  Por essa razão, ainda vai ficar um tempinho em observação. – Falava enquanto caminha em direção à porta junto com o seu assistente e Heloísa. – Qualquer coisa, é só tocar a campainha ao lado. – Então fecha a porta.

Esperar mais algumas horas não será problema, mas a ideia de ficar em uma cama parado, sem fazer absolutamente nada, não é uma ideia muito agradável para uma pessoa totalmente impaciente. Resolvo então pegar o controle da televisão em cima da mesa ao meu lado para assistir algo, mas mesmo assim os minutos parecem se arrastarem.

Cansado de apertar o botão do controle várias vezes seguidas para procurar algum canal que de fato me prendesse, decido desligar a TV e apenas absorver tudo o que aconteceu. Foi quando Heloísa abriu a porta. Não me lembro de ter apertado a campainha.

_Desculpe incomodar novamente, senhor Nicholas. Apenas vim avisá-lo que tem uma pessoa que quer muito falar com você.

Seriam meus pais? Claro que não. É claro que eles não viriam do interior para ver a "vergonha da família". Ou será a Cacau? Mas logo descarto a possibilidade quando me lembro da viagem que ela iria fazer com sua turma. Provavelmente uma aula de campo. Mas como eu a queria aqui. Sinto-me tão bem ao lado dela. Então a dúvida ressoa na minha cabeça. Quem seria? Então ela fala.

_Na verdade ele quer te pedir desculpas.



Avenida PaulistaWhere stories live. Discover now