Prólogo

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Atrasado!

Ultimamente um maremoto de azar vem derrubando qualquer resquício de sorte que possa surgir em minha vida. Fim de relacionamento, computador quebrado, são apenas alguns exemplos incluídos no meu pacote de azar. E hoje não é diferente. Quando finalmente tenho a sorte de ser chamado para uma entrevista de emprego, algo tem que acontecer.

Devido à greve dos motoristas de ônibus, toda população depende exclusivamente dos taxistas. Mas pela quantidade de gente que está nesse exato momento nas paradas distribuídas ao longo da Avenida Paulista, deduzo que o número de táxis é insuficiente para atender toda população. E não é a toa que não estou vendo nenhum nessa área da cidade.

Da última vez que fui chamado para uma entrevista, o medo de chegar atrasado me dominou e acabei cortando o meu dedo quando estava preparando algo para comer no café da manhã. Tentei ao máximo estancar o sangramento. Pressionava o local do corte com toda minha força, mas ele não se entregava, e pela quantidade de sangue, sabia que devia ir ao pronto socorro. Resultado: acabei perdendo o horário. Dessa vez, fui o mais cauteloso possível, e tive um bom café da manhã. Sem cortes. Porém, não deixo de estar atrasado.

Hoje a Avenida Paulista está mais "tranquila". É um pouco estranho relatar isso já que estamos falando de uma das avenidas mais conhecidas e movimentadas do mundo. Mas o cenário não é o mesmo com ausência de ônibus sobre o asfalto. O que nos deixa realmente lucido na realidade é a grande quantidade de pessoas zanzando nas calçadas pra lá e pra cá, saindo e entrando em lojas e teclando em seus celulares de última geração.

Tento me distrair com o cenário de prédios que me cercam, ou contando a quantidade de carros vermelhos que passam bem diante da minha visão, mas minha mente não para de gritar que "mais uma vez eu irei me atrasar". E pela milionésima vez, sou pego olhando para o relógio. Faltam 25 minutos para a entrevista.

Não vai dá tempo.

Tenho certeza absoluta que se um táxi chegar agora nessa parada, isso aqui vai virar os Jogos Vorazes. Creio que não sou o único que estou atrasado, mas posso ser o único desempregado, e pra ser sincero, não gosto da ideia.

Bem ao meu lado um bebê não para de chorar, e um pouco mais a frente, uma mulher não para de gritar que o fim do mundo está próximo.

20 minutos.

Carros e mais carros. Nada de táxi.

15 minutos. Que fedor é esse? Eca! Não acredito que pisei em cocô de cachorro.

10 minutos. Olha como aquela mosca se movimenta.

A essa altura do campeonato, mesmo se um táxi caísse do céu, ainda chegaria atrasado. O trânsito deveria estar horrível no centro da cidade. Então não penso duas vezes, e assim que o sinal de pedestres abre, começo a caminhar em direção ao meu destino.

Andando sobre a faixa de pedestres, percebo que o choro de bebê está diminuindo de acordo com alguns passos dados, mas o fedor em meus sapatos permanece o mesmo. Porém não me preocupo muito com isso, pois avisto uma folha de jornal jogada na calçada, alguns metros à frente. Olho por cima do ombro e percebo que fui o único a tomar a inciativa de ir caminhando, e pude ver também que a maioria do pessoal que está na parada portam suas Janelas Mágicas em mãos.

_Se esse planeta não fosse chamado de Terra, acho que "Sedentário" seria a segunda opção. – Penso comigo mesmo.

Continuo caminhando repetindo diversas vezes a palavra contratado com os olhos fixados ao chão, contando cada linha branca sendo ultrapassada por meus pés. Mas, quando chego ao meio da faixa, sou arrancado da minha concentração por um som de buzina vindo em minha direção, que se o une ao ranger dos pneus deslizando na avenida.

E subitamente, tudo fica escuro...





Avenida PaulistaWhere stories live. Discover now