Capítulo 23

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(Luke Hemming POV)


As paredes frias de meu imenso apartamento pareciam amplificar o som de meus sapatos chocando-se contra o piso de mármore. A fraca iluminação, fornecida pela tímida luz da lua, manchava de cinza as formas duras de meus móveis, talvez se unindo ao barulho de meus passos numa singela tentativa de me fazer sentir ainda mais solitário. Fora os sons que eu produzia, o silêncio dominava por completo o ambiente; não havia sequer uma outra respiração, um outro coração batendo por perto. Somente eu, somente meu próprio silêncio.
E é exatamente nessas horas que me pergunto: pra que mais do que isso? Qual é a vantagem de se ter mais alguém? Qual é a vantagem se estar acompanhado, quando não existe nada melhor que ficar sozinho? Não existe nada como a liberdade que se tem ao estar completamente só, totalmente livre dos olhares dos outros, sempre como urubus sobrevoando a carniça que são as desgraças das vidas alheias. Para mim, a solidão era nada mais que uma dádiva, da qual eu sabia fazer uso como poucos.
Parei em frente à enorme janela de meu apartamento, que consistia numa parede inteira feita de vidro, e de lá observei a cidade. Não havia muito mais do que luzes, prédios, carros e pessoas andando nas ruas iluminadas, a típica imagem de uma sexta-feira à noite. Para mim, observar o movimento das ruas era mais interessante do que ligar a televisão e assistir a todo o lixo de sempre; a espontaneidade era absurdamente contrastante. Sentindo a baixa temperatura do copo de uísque entre meus dedos espalhar-se por minha pele, soltei um suspiro baixo e bebi todo o seu conteúdo sem pressa. Um sorriso mórbido fez uma pequena curva surgir no canto de meus lábios, e eu esqueci meu olhar num ponto qualquer da rua. Ele não tinha importância naquele momento; não havia nada relevante para se ver.
Eu realmente gostava de ficar sozinho. Mas naquela noite em especial, eu preferia ter algo para por minhas mãos, ou quem sabe também meus lábios ainda umedecidos pelo álcool. Algo que não fosse duro como o vidro do copo, ou frio como a bebida que descia queimando por minha garganta. Algo que pudesse satisfazer meus sentidos e despertar o exigente interesse de minha virilidade.
Algo como uma mulher.
Uma única mulher.
Dei as costas à monotonia londrina que minha janela me permitia ver e caminhei até a mesinha de centro. Coloquei o copo preenchido apenas por gelo sobre a superfície transparente e continuei meu caminho até o quarto. Pelo trajeto, comecei a desabotoar os primeiros botões da camisa preta que vestia. Não havia mais sentido em continuar com aquela roupa agora que eu havia optado por ficar em casa... Mais uma vez.
Ainda sorrindo daquele jeito medíocre, entrei em meu quarto com uma curva ágil. Aquela era a terceira vez na semana que eu simplesmente preferia ficar em casa a ir a um pub encher a cara, por pura falta de motivação. Não havia mais sentido nisso, já que a única droga que parecia anestesiar a agonia pulsante de minhas vias sanguíneas provavelmente repousava em seu quarto àquela hora, trancafiada e segura. A salvo de mim.
- (S/N)... – esbravejei baixo, terminando de desabotoar minha camiseta e atirando-a longe – Maldição de garota.
Cheguei ao quarto e encarei minha cama, mordendo o interior de minha boca em tom de desgosto. Como se a visão morta do cômodo já não surtisse um efeito negativo em meu humor, minha mente tinha o prazer de divagar por entre as costuras da colcha azul marinho, desenhando com elas a forma de um corpo feminino. O corpo feminino que me atormentava desde que meus olhos cismaram em decorar seu contorno, e que assombrava meus lençóis a partir de então.
- Maldição de garota – repeti, desafivelando meu cinto e deixando que a calça social preta caísse aos meus pés. Chutei-a para qualquer lugar, assim como meus sapatos e meias, atirando meu corpo sobre o colchão logo em seguida. Abri meus braços, quase tocando as extremidades da cama com a ponta de meus dedos, e respirei fundo, sentindo o ar gélido me acalmar ao resfriar meus pulmões. Fechei os olhos, sentindo meu corpo se arrepiar levemente pela temperatura inadequada para minha única vestimenta: as boxers. Fiquei imóvel por alguns segundos, apenas deixando meus sentidos se apurarem em meio ao silêncio denso e à brisa gelada que vinha da janela, e inevitavelmente minha mente intensificou seu raciocínio, contrariando propositalmente minhas ordens para que seguisse o caminho oposto.
Há menos de uma semana atrás, eu a tinha em meus braços. Sua respiração batia calmamente contra meu tórax, seu corpo jovem e adormecido depositava um peso confortável sobre mim, o perfume cítrico de seus cabelos confundia-se com minha respiração como uma bênção... Ela era minha.
Hoje, ali estava eu novamente. Sem nada mais do que algumas lembranças, muitos desejos e uma quantidade considerável de seu ódio para chamar de meu.
O que mais me intrigava nisso tudo era que as coisas pareciam ter efeito contrário quando se tratava dela. Quanto mais eu demonstrasse meu interesse e corresse atrás, mais ela parecia se afastar de mim, como ímãs que se repelem. Justo eu, que nunca havia perdido uma chance de me aproximar. Justo eu, que sempre lutei pelas coisas que quis. Está certo, concordo que dinheiro e mulheres nunca foram problema para mim, mas há um certo momento na vida de um homem no qual não se tira mais vantagem de detalhes como esses. Pessoas como eu amadurecem de fora para dentro: primeiro, os desejos carnais, a luxúria, a ambição, o materialismo incontroláveis; depois, conforme o tempo passa e a experiência começa a pesar sobre nossos ombros, boa parte desse encanto se esvai, e apenas uma fraca e temporária névoa permanece, deixando-nos nada mais que o vazio. Um vazio que dói, lateja, pulsa e sangra cada vez mais, implorando por algo que o preencha.
E esse momento parecia enfim estar chegando para mim. Já era hora de reconhecer que eu estava ficando velho demais para brincadeiras. Agir como gente grande parecia uma tarefa bastante interessante aos olhos do bom apreciador de desafios que eu era. Prêmios fáceis não aguçavam minha competitividade; nunca fui adepto de prendas baratas e sem valor algum, a não ser para preencher o tédio. Mesmo tendo a criação farta que tive, o bom senso nunca me faltou. Sempre soube investir em tarefas árduas, pois sabia que a conquista me recompensaria de maneira equivalente a todo o tempo e suor gastos para obtê-la.
Sempre soube que após algum esforço, ela seria minha. E dessa vez não seria diferente. Se ela pensava que finalmente havia me feito desistir, não conhecia o tamanho de minha obstinação. Se ela achava que eu me daria por vencido tão cedo, não conhecia nem metade da determinação que havia dentro de mim.
Virei-me de lado na cama, deparando-me com o relógio de cabeceira: meia-noite e dez. Meus olhos começaram a dar leves sinais de sonolência, e eu atribuí tal feito aos copos de uísque que havia bebido há pouco. Obrigado, álcool, meu fiel companheiro, por mais uma noite de sono. Sem demora, minhas pálpebras se fecharam confortavelmente, e eu soltei um suspiro relaxado. A sensação de decisão tomada se disseminava por meu corpo, provocando um torpor delicioso e um leve sorriso em meu rosto.
Eu a veria naquele maldito baile. E mesmo que ela tentasse me recusar de todas as formas, eu a teria novamente em minhas mãos e em minha boca, como sempre deveria tê-la.
Já disse que realmente gosto de desafios?

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