Dia 6.032

76 14 1
                                    

Eu acordei as onze e já estava melhor, respirei fundo e me levantei devagar.

Minha mãe me esperava na mesa e disse bom dia sorrindo. Minha mãe estava alegre. Ela conversava e contava como havia sido o jantar e como ficou preocupada comigo.

Minha mãe pensou que ia me perder? Eu não a deixaria. Eu sou Aif substituto e como o próprio se foi, devo ficar no lugar dele.

Abracei-a e comi, devagar e quieto. Tudo parecia muito nublado pra mim, como se a noite de ontem não tivesse existido e que o único momento que aconteceu foram as macias mãos de uma desconhecida.

Minha mãe disse que eu podia escolher ir ao colégio na segunda, se me sentisse bem. Ela tinha pedido folga um dia pra cuidar de mim e decidiu fazer uma faxina na casa, assim teríamos o sábado livre.

Minha mãe limpou tudo sem pedir minha ajuda, ela sorria mesmo suada e as vezes perguntava se eu estava bem, apenas dizia "estou."

Quando minha mãe começou a limpar o quarto dela achou três caixas, das três deixou uma de lado e abriu a menor;

-Venha filho, essa são suas fotos.

Me aproximei dela pra me ver, um bebê gordinho de cabelos enrolados e marrons. Roupas sempre sujas de alguma comida e muitas fotos com uma pessoa exatamente igual. Só que maior.

Minha mãe mostrava meu sapatinho e outras fotos, uma chupeta velha e repetia entre um objeto e outro como queria que esse tempo voltasse. Ela não disse, mas eu sei que ela queria que esse tempo voltasse porque nesse tempo Aif-um estava vivo.

Ela abriu a segunda caixa, era a maior de todas, imaginei que era a de Papai, mas me enganei. Era a de Aif.

Haviam fotos, brinquedos, chupetas, roupas, desenhos e até mesmo sua mochila pra escola. Minha mãe guardou tudo, ela olhava penosamente pra todos os objetos, como se a saudade a invadisse.

- Mãe, isso era de Aif?

Decidi perguntar de uma vez. A resposta claramente seria sim, mas eu precisava arrancar algo mais dela. Entre nós dois, ela era a que mais sabia de tudo e se lembrava claramente.

-Sim, era dele. Ele era uma graça, não? Você se parece muito com ele.

A voz dela foi morrendo ao dizer que eu parecia com ele, morrendo cada vez mais como o rádio perde o sinal na estrada e duas músicas tocam; uma acima de outra.

-Esses são os desenhos dele?

Ela apenas assentiu e se levantou dizendo que ia ao banheiro. Conhecendo-a como conheço, ela ia chorar.

Peguei a mochila dele e lá dentro achei uma coisa muito importante.

Um caderno preto escrito:

Aif

Para: meu irmão.

Levei-o até meu quarto depois de rapidamente guardar as caixas. Fui até o banheiro e chamei minha mãe que apenas respondeu que ia tomar banho.

O quanto ela chorou? Eu não saberia dizer e eu não poderia acudi-la.

Ela estava se sentindo mal e apenas foi dormir. Fiz um macarrão instantâneo pra comer e indo me deitar pensei no caderno, na noite de ontem e de como minha mãe retém toda a dor pra ela porque sabe que eu não posso ajudar, eu só aumento a dor mais e mais todos os dias.

"Você se parece muito com ele."

Essas palavras ecoaram na minha mente por um longo tempo, eu só aumento a dor de minha mãe, não é?

Me desculpe mãe,
Aif.


AifOnde as histórias ganham vida. Descobre agora