Capítulo 6 - Vênus e Júpiter

491 81 28
                                    

Capítulo 6

E lá estava Wanda, sorridente e com um brilho nos olhos que ele não via há tempos. Desde que seus pais morreram em um grave acidente de avião, sua irmã havia entrado em um luto que parecia eterno, e agora lá estava ela, feliz como em seus melhores dias.

Ao vê-la em casa uma outra vez, Adryan fora levado de volta à noite em que um desconhecido bateu em sua porta para lhe dar a pior notícia de sua vida.

•••

— Sinto muito chegar em um momento tão inoportuno. — O policial disse.

— O que está acontecendo?

Logo aquele homem começou a falar, e a cada palavra que ouvia, seu mundo desmoronava aos poucos.

Seus pés congelaram e criaram raízes em frente a porta.

Não podia acreditar no que acabara de ouvir.

Seus pais estavam mortos.
Um acidente de avião, fora o que o policial havia dito.

Aquele homem então falou qualquer coisa para ele, certamente palavras de conforto e alívio.

Apartir daquele ponto já não
lembrava com clareza. Apenas recordava de ver o oficial sair rumo a viatura, ligar o carro e o deixar sem rumo e sem chão.

— O que houve?

Lembrou da voz infantil de sua irmã. Aquela pergunta o deixou ainda mais abalado. Foi quando percebeu que teria de dizer a uma criança de doze anos que seus pais não voltariam mais para casa.

Virou e a viu ainda muito sonolenta, segurando o seu ursinho de pelúcia nos braços, o fazendo de escudo contra os perigos do mundo lá fora.

“Eu tenho que ser forte”

Tentava criar forças dentro de si.

— Eu preciso te contar uma coisa.

Sem entender nada, apenas o seguiu sem questionar. Com seus pés descalços e segurando embaixo do braço seu urso protetor.

— Você está estranho. — Coçou os olhos, querendo despertar do sono que ainda sentia.

— Você já é tão parecida com nossa mãe.

Ela então olhou para ele e sorriu leve, gostava dessa comparação.

— A mamãe e o papai não vão voltar para casa.

Disse firme por fora, porém destruído por dentro, encarando aqueles pequenos olhos à sua frente.

— Por quê? Mais trabalho, como sempre?

Uma lágrima escorreu de seus olhos e ele logo fez questão de secar sua pele.
Ela sem nada entender, apenas ficou com o seu silêncio.

— Lembra quando a mamãe disse que, às vezes, vamos morar no céu... Assim como o Ruffs? — Citava uma vaga memória para ela, a fazendo recordar do antigo cachorro da família.

— Mas só vai para o céu quando morrem, não é? — Dizia o encarando e já sentindo um grande aperto no coração, ali Wanda já pressentia o pior.

Teve forças apenas para balançar a cabeça em sinal de afirmação, dando em silêncio a pior notícia do mundo.

Sua voz inocente perguntou se seus pais tinham ido morar com Ruffs, e, com lágrimas, ele respondeu, fazendo com que o mundo daquela pequena criança fosse caindo ao chão, desabando em cima de si.

Sentiu um vácuo vir em sua direção e lhe abraçar fortemente.

Seus soluços eram tão fortes que sua respiração era falha e logo seus corações foram ligados pelo forte abraço e, assim, um completava o outro.

— Eu sinto muito, irmãzinha.

A casa ficara gélida e sem vida, não existiam motivos para sorrir e todo o sopro de felicidade fora embora.

O silêncio ainda permaneceu constante naquele cômodo, e, como um vento que canta aos ouvidos, Adryan a pegou e a levou para o lado de fora da casa; queria lhe mostrar algo.

— Eles já estão lá no céu. — Apontou para as estrelas. — Está vendo aquelas duas ali?

Perguntava, indicando Vênus e Júpiter, que estavam próximos naquele momento e eram os corpos celestes mais brilhantes do céu noturno.

Wanda acenou com suas pequenas mãos naquela direção e acreditou firmemente que eram seus pais a olhando lá do céu. Voltaram para dentro da casa e ela correu para o quarto, segurando firme seu pequeno urso.

Ele sentado em frente a porta, ficou olhando incessantemente ao céu, precisava acreditar que seus pais estavam realmente ali.

•••

Alguns anos haviam se passado, e, logo após ingressar na faculdade, Wanda saiu de lá. Apenas quis fugir daquela casa. Adryan, porém, ficou.
Não conseguiu deixar tudo no passado.

Haviam seguido rumos diferentes e, com o tempo, foram se afastando mais e mais, até que por fim o contato silenciou-se de vez.

Até que ela surgiu outra vez, trazendo à tona todas as lembranças daquela noite de anos atrás.

Havia se tornado uma mulher incrivelmente linda, a pele clara era intensificada pelo sol e seus longos cabelos negros davam o contraste.
A semelhança ainda era nítida com sua mãe.

— Adryan Fritz! — Gritou ao vê-lo parado sem dar um passo sequer em sua direção.

Que ótima recepção de boas vindas, deve ter dito a si mesma.

— Não acredito que esteja aqui outra vez.

Puxou seu corpo e assim o abraçou forte, matando a saudade que sentia do seu irmão. Já que ele ainda continuava sem muita reação.

— Eu te ajudo com as malas.

Entraram e começaram a conversar sobre tudo. Wanda havia se tornado uma notável cientista e Adryan um arquiteto, o que a surpreendeu, ao ver que seu irmão tinha seguido a profissão de seu pai.

Curiosa, ela começou a andar pela casa outra vez, queria se lembrar de cada detalhe, e, empolgada, foi sendo guiada por seus passos apressados.

Saiu correndo para a escada, em direção ao seu quarto, o que em um provável descuido da vida a deixou frente a frente com alguém que Adryan tanto queria esconder do mundo.

— Anne Pasquin?! — Deu um grito assustada, pronunciando o nome da mulher.

Adryan, que somente havia sido guiado pelos passos largos de sua irmã enquanto vasculhava a casa, logo questionou.

— De onde vocês se conhecem?

— Eu não a conheço.

Anne apressadamente fez questão de afirmar que não sabia quem era aquela mulher à sua frente.

— Eu trabalhei em um projeto com você e outro cientista. Foi logo quando comecei a trabalhar em sua empresa.

Anne então vagamente parecia se lembrar de tal coisa, e apenas concordou naquele instante.

Adryan viu-se em um tremendo mar de coincidências, parecia até que tudo aquilo estava orquestrado perfeitamente, e ele, com seus olhos esbugalhados, tentava decifrar qual rumo sua vida tinha tomado, porém não conseguia resolver tal equação.

— Mas você não estava morta?

— Eu preciso te contar uma coisa.

Ouviu seu irmão dizer aquilo enquanto ia para o lado de fora do quarto.

Anne saiu em direção a sala.

Wanda atentamente esperava algo sair da boca dele, e logo ele se viu numa encruzilhada — teria de explicar coisas que até mesmo ele achava surreal —, porém, era necessário.

Como anos atrás, era a vez dele contar algo que poderia mudar por completo a vida dela.

De novo.

Alianças De Sangue (Degustação)Where stories live. Discover now