Papo de mãe e filha

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Já em solo mineiro, o céu estrelado matava a saudade dos olhos curiosos e cheios de vida da nossa jovem romântica.

Entrou no casarão, ficava menor a cada ano, e pelos inúmeros corredores com fotos da família percorreu apressada tentando achar sua mãe, entrou num quarto e a cama estava vazia, na sacada os cabelos longos e pretos de sua mãe eram tocados pela brisa.
_Mamãe _Ela disse, deixando cair a bolsa de couro no chão, num alívio.
_Minha pequena...! _Disse ao ouvir a voz de Julie, se virou devagar pra mulher que aquela criança, que corria pelo corredor, se tornou.

Não era raiva, que fez Julie se afastar da mãe, era uma simples vontade de ser independente, de andar com as próprias pernas.

No restante da noite as duas relembraram a infância e a adolescência da "pequena" e quando  dona Vera dormiu, com um sorriso no rosto, Julie se aconchegou ainda mais e dormiu ali agarrada ao cheiro de amêndoas da mãe.

Enzo não via nada de especial na televisão, mudava de canal como se fosse mudar alguma coisa até que o interfone tocou.
_Oi _Disse desinteressado.
_Iae seu pato!
_Erick?
_Quem mais seria? Abre logo, to com fome...oque tem pra comer aii....

Enzo abriu a porta sem acreditar que seu irmão mais velho estava ali. Erick nunca quis trabalhar ou se mudar do Rio, pretendia viver na casa do pai até morrer, e na cabeça de Enzo não entrava a possibilidade de Erick estar ali.
_Oque está fazendo aqui? _Perguntou Enzo ainda da porta vendo seu irmão vasculhar a geladeira.
_O pai me expulsou de casa _Disse abrindo uma cerveja _Tem pizza pato?
_Não... Não tem! Brigaram de novo?
_Mais ou menos... Ele queria que trabalhasse no escritório e você sabe que meu negócio é farra ...Opa! Torta de chocolate!
_Erick pelo amor da santa! Quando é que você vai crescer?
_A pato ... As meninas me adoram e pra conseguir um trabalho como DJ aqui em São Paulo é um pulo!
_Ai , você volta pro Rio?
_Não! Eu estava pensando em morar aqui com meu patinho! _Disse passando o braço pelo pescoço do irmão.
_Por que me chama de pato?
_Você não é?
_Não...! _Disse pegando a garrafa da mão de Erick pra tomar um gole.
_É sim, é no vídeo game, no futebol...
_Chega Erick! Você dorme no sofá por enquanto, até achar um lugar pra ir_Disse interrompendo o irmão._ só mais uma pergunta.... à quanto tempo está em São Paulo?!
_A alguns dias... porquê?!
_Nada...

Com a mudança de rumo da vida de cada um, parecia que a história de amor foi esquecida, mas acho que o destino desses dois não ia acabar tão rápido.
_Bom dia mãe! _Disse Julie ao se sentar na mesa para o café da manhã.
_Dormiu bem querida? _Perguntou D.Vera com uma xícara de chá na mão.
_Sim, fazia tempo que não dormia tão bem _Respondeu pegando uma rosquinha.

Um breve silêncio, D.Vera olhava a filha de um jeito diferente quase como se tivesse que perguntar algo. Julie não tinha tocado no nome de Enzo desde que chegou e a curiosidade da mãe foi tão grande que num impulso perguntou meio que embolado.
_E o Enzo...?
_Mãe o banco abre hoje? É que eu preciso sacar um dinheiro...
_Abre sim... _Disse desconfiada.

Mãe sabe das coisas e não ia demorar pra saber o que era.

O dia foi passando, e as horas com a mãe nunca foram tão agradáveis. Mas Dona Vera queria mais além de saber que o emprego dá filha era estável e que tinha grandes chances de crescer por lá. Ela via no semblante da filha, que algo não estava bem ou que algo tinha que ser contado.
_O Banco já fechou e você nem saiu de casa. _Disse olhando a filha manusear o antigo piano.

Julie se virou com a cabeça baixa sem querer esconder o que sentia.
_Eu ...eu não queria ir ao banco _disse por fim, respirou um pouco olhando pro nada pensando nas próximas palavras _Era desculpa...
_Eu sei, te conheço não é de ontem _Disse Vera parando com o crochê.
_Terminamos a mais de um mês e eu nem sei se foi o melhor a ser feito... Eu queria poder tê-lo novamente.
_E oque lhe impede de ter o que quer? _Pergunta a mãe vendo o jeito carregado da filha ao falar.
_A coragem mãe. Eu tô com medo de ele ter mudado tanto ao ponto de me esquecer...
_Não se pode ter medo de se entregar, de pôr a cara a tapa. _Disse voltando ao crochê _Arrisque. A vida não é certa, não tem um padrão e por isso os rabiscos banhados de atitudes e coragem são tão honrados.
_Os rabiscos? _Perguntou Julie.
_Sim, tem aqueles corajosos que escrevem sua historia com a irreverência dos rabiscos, esses são honrados por fazer da vida seu paraíso, pois traçam um sonho e correm atrás deles sem pensar no lado negativo. Você não devia ter medo de amar seu "Enzo", e devia cuidar mais da sua "Julie" pois se não fizer hoje, seu futuro vai ser num apartamento vazio e sem alegria. _D.Vera concluiu.

Ufa! O cenário pra esse capítulo pode ter varias interpretações, mas eu queria que nós, observadores desse fato amoroso, visse da mesma forma. E como? Vou explicar. Pinte as paredes de branco, deixe o cabelo de Julie preso a maior parte do tempo e veja Enzo no sofá de sua casa deixando sua barba crescer, sentindo o amor como um típico adolescente em transição. Caminhe pelas linhas dessa história vendo que cada um pode ter medo, até os mais orgulhosos e tente entender que não existe perfeição e que o final dessa história pode não ser um conto de fadas. Lembre-se, quando parar para observar tudo que já lhe foi dito sobre Julie e Enzo, que nosso cupido aqui é exagerado e quando resolve intervir ele extrapola. E ele ainda não interviu. Ou já?

Rabiscos de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora