Aquela do Capitão (parte 1)

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A tripulação do Calla Lilies estava navegando há exatos dois meses e meio.

A carga que carregava era de tecidos finos, mas o suposto comprador era supersticioso demais para permitir que estes viessem via Canal de Suez, o que obrigou Guilherme Pagani, o capitão, a fazer uma rota infinitamente mais demorada, partindo da Índia, contornando o Cabo da Boa Esperança, ao sul da África, e enfim aportando em Livorno, uma cidade litorânea da Itália.

A troca comercial ficou combinada de ocorrer na Toscana mesmo, em Florença, mas apenas dali a 24 horas, o que dava à tripulação tempo o suficiente para cair nas graças de um copo de rum e nos braços de uma mulher, antes de partir viagem novamente.

E foi o que os diversos marinheiros apressaram-se em fazer, prometendo grandes aventuras aos pobres que teriam que ficar tomando conta do navio.

Guilherme não era muito de deixar seu barco. Pelo contrário, ele sempre era o primeiro a dar o exemplo de amar a vida no mar, o que era especialmente inspirador para seus subalternos.

Mas, naquele dia em específico, o capitão do Calla Lilies se encontrava igualmente sedento por um pouco de terra firme.

Permitiu que alguns bons marujos o levassem para o bar mais próximo, entre brincadeiras e incentivos, embora todos sempre o tratassem com incontestável respeito.

Sua autoridade dentro do navio nunca havia sido contestada e era difícil imaginar que um dia fosse ser. Ele pagava bem os tripulantes e tinha um passado sólido nas águas abertas, o que lhe garantia certa reputação.

O comandante então adentrou o lugar escuro, iluminado apenas pelo sol do entardecer, com seus companheiros. Eles se separaram em mesas e nas banquetas do bar, enchendo rapidamente o estabelecimento antes habitado por apenas algumas pessoas.

Capitão Pagani permaneceu à porta, fumando seu cubano e sentindo a brisa marítima lhe soprar a face. Ele tinha um ritual: tragar um charuto, beber meia garrafa, transar com uma mulher. Nunca tinha falhado e sempre lhe garantia diversão pelo tempo aportado.

Há alguns metros de distância, em uma mesa de madeira envernizada, estava Camila Jardim.

Uma estilista esforçada, que trabalhava dia e noite para atingir seus objetivos nas passarelas de Milão, um plano de 5 anos cujos passos detalhados ela fazia questão de seguir à risca.

Adiantada em sua lista de tarefas, a mulher havia resolvido tirar alguns dias de folga da beleza e agitação de Florença para curtir os encantos da praia mais próxima, que calhava de ser justamente Livorno.

No entanto, desfocada enfim do trabalho, tudo que a pequena viagem de uma hora e meia lhe permitiu, foi ver o quanto estava perdendo dos prazeres da vida.

As pessoas em Livorno pareciam todas felizes, realizadas e despreocupadas. Ela se perguntava se essa era uma peculiaridade da cidade, ou se todos lhe pareciam assim por contrastarem tanto com sua própria imagem.

Ela não se arrependia. Ia chegar exatamente onde queria por mérito e esforço próprios, e se considerava muito mais que capaz disso.

Mas... Ela havia tirado alguns dias de folga. Não custava nada tentar experimentar o que quer que tivesse na água daquelas pessoas tão radiantes.

Ela observou atenta quando um monte de homens malhados com uniformes brancos invadiu o mesmo lugar que ela tinha escolhido para começar o desafio. Eles brindavam copos cheios, falavam alto, riam muito, e nem haviam chegado há mais de 40 minutos.

Só que de todos eles, o que mais chamava a atenção de Camila era o loiro na porta de entrada. Ele tinha um ar mais maduro do que os demais, usava um terno branco, em oposição às camisetas surradas, uma série de abotoaduras elegantes e um quepe segurado debaixo do braço. "O capitão, claro", ela pensou. Pelo que ela pode ver, ele tinha acabado de guardar um charuto meio fumado e tinha agora um copo largo nas mãos firmes.

[Degustação] FetichesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora