TRÊS

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Corra, se for capaz

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Corra, se for capaz

 
Luca

 18 de junho 

Cerro os dentes ao ouvir o som insuportável das portas automáticas se abrindo, o ruído mecânico alto e esganiçado fazendo meus ouvidos zumbirem desconfortavelmente. O corredor se estende diante de mim, cada porta pesada aos lados escondendo pacientes presos em quartos estupidamente brancos, com apenas uma cama e uma pequena janela gradeada, que mal permite a visão do exterior. Meus passos ecoam no silêncio, mal se registrando enquanto sou tomado pelas incontáveis lembranças assombrosas dos momentos vividos aqui dentro.

As luzes tremeluzentes no teto piscam como uma despedida suave quando meus olhos examinam as paredes brancas ofuscantes do Hospital uma última vez, e o murmúrio das conversas distantes entre os enfermeiros desaparece e se torna inaudível. 

O médico que me guia finalmente alcança a porta, deslizando o cartão de identificação pela máquina automática e conduzindo-nos ao saguão aberto, com vista para a orla, onde estive apenas uma vez quando fui internado, dez anos atrás.

É quase cruel terem decidido construir um lugar tão terrível em volta de um cenário tão lindo. É como uma piada cruel — a última chance de vermos o mundo em suas cores, antes que nos tranquem em um com apenas uma cor.

A realização de que estou prestes a adentrar em um mundo desconhecido por mim há uma década me atinge com uma mistura de sentimentos que meu cérebro não consegue processar. Assim que saímos e respiramos o ar puro, tão diferente da atmosfera sufocante do interior, pisco contra a luz solar que machuca minhas retinas. O sol deixou de ser algo comum para mim, e até a minha própria pele parece rejeitar o contato, formigando como se estivesse derretendo.

— Boa sorte — diz o psiquiatra, acenando brevemente com a cabeça. Ele me entrega a caixa de plástico bege com todos os pertences que deixei para trás quando entrei. 

Alguns segundos se passam enquanto processo sua fala, meus olhos indo da caixa para o médico, e vice-versa. Quase pergunto se ele está falando sério, mas engulo as palavras odiosas que quero cuspir, suprimindo a vontade avassaladora de berrar a plenos pulmões o tanto que este lugar tirou de mim, e pego os objetos de dentro — um celular pequeno e sem bateria, que hoje, com toda certeza, é velho demais se comparado a tecnologia atual, e um relógio de prata desgastado, que não funciona mais. 

O homem volta para a dentro, fechando as portas atrás de si e me deixando sozinho com meus pensamentos. Quase tenho vontade de rir da situação. 

Uma década preso entre estas paredes, perdendo minha juventude — minha vida — por nenhum motivo plausível, e tudo o que ganho são as mesmas roupas e sapatos brancos, os mesmos aparelhos, arrancado de mim enquanto me amarravam.

Veja se não sou um homem sortudo.

— Ei, Somerset! — ouço uma voz distante me chamar e imediatamente a reconheço. Giro a cabeça para a minha direita,  semicerrando os olhos para enxergar sob a luz do sol, avistando Damian ao longe. Ele está de pé na areia, vestindo uma camisa vermelha, calça preta e tênis pretos. Algumas mechas de seus cabelos castanhos-claros caem para frente devido ao vento forte na orla.

Chase MeWhere stories live. Discover now