DOIS

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Entre, se você ousar

Clarissa


31 de outubro - Halloween

Pelo espelho retrovisor interno da Audi RS6 cinza, limpo o canto da boca sujo de batom com o polegar, apagando o rastro borrado. É noite, os risos, gritos de pavor e animação, os gemidos de alegria e o chiado de óleo quente de comida frita lá fora chegam aos meus ouvidos, junto com os sons mecânicos dos brinquedos e das músicas. Luzes bruxuleantes coloridas são lançadas para dentro do meu carro, criando sombras de diferentes tamanhos e formas, convidando-me para a diversão.

Ainda encarando meu reflexo no pequeno espelho, confiro a maquiagem, certificando-me de que está tudo em ordem. Sombras escuras com detalhes dourados brilhantes destacam minhas pálpebras e meus olhos azuis, juntamente com rímel e delineado, que combinam com a aura sombria e etérea da fantasia de anjo negro que estou vestindo. Nas bochechas, há o rosa artificial do blush e batom mate vinho nos lábios.

Pego o celular no banco do passageiro antes de sair e fechar a porta com um baque, contorcendo-me para prender as asas negras emplumadas nas costas, que erguem-se e ameaçam tocar o chão. São tão grandes que eu não conseguiria ficar com elas no carro enquanto dirigia.

Como prometido, antes de viajar, Luther me ajudou a escolher a fantasia - na verdade, ele não só me ajudou, como também mandou um cara entregar na porta da minha casa. O homem claramente não queria ter subido toda a trilha apenas para deixar um pacote, e com certeza não estava feliz em fazer o caminho de volta cinco minutos depois.

O body preto justo de couro agarra-se ao meu corpo como uma segunda pele, destacando minhas curvas e expondo minhas pernas e coxas. O tecido alcança meu pescoço em uma gola alta, e as mangas longas nos braços servem perfeitamente. Meus longos cabelos loiros estão soltos, decorados por uma faixa de halo delicada preta, e em meus pés, há saltos pretos, com pequenas asas coladas nos calcanhares.

Dou a volta, saindo do estacionamento lotado e indo em direção ao Festival. Ainda bem que cheguei cedo. São quase sete da noite, e assim que os portões abriram, há pouco mais de dez minutos, os carros começaram a acelerar, famintos por uma vaga. Depois de vinte minutos, se torna impossível encontrar um lugar para parar, e alguns são obrigados a estacionar a várias quadras de distância.

No minuto em que piso no parque, sou engolida e arrastada pela multidão, mal sendo capaz de andar com meus próprios pés. Entrar no Euphoria Festival é como se teletransportar para outra dimensão, cheios das coisas que tememos, mas que não conseguimos ficar longe. Meu coração bate extra acelerado com a excitação crescente em meu âmago e olho em volta, absorvendo cada detalhe e guardando-os na memória.

Os pequenos caminhões de food trucks ladeiam a entrada e se estendem até onde meus olhos não conseguem alcançar. Barracas de algodão doce, maçãs-do-amor e doces sortidos me cercam, assim como os cheiros de hambúrgueres, batatas-fritas, cachorros-quentes e linguiça grelhada, que preenchem minhas narinas e quase me fazem soltar um gemido, provocando um tremor no meu estômago.

Faço um lembrete mental de comer depois que terminar de explorar o parque e descobrir o tema deste ano. Normalmente, fico tão empolgada que esqueço que ir nos brinquedos sem ter comido é que nem beber de estômago vazio: não é uma boa ideia. Da última vez, voltei do Percurso Da Morte - a famosa montanha-russa que faz as pessoas desmaiarem e vomitarem - com uma náusea que me fez ficar horas debruçada sobre as pernas no banco, enquanto Elena afagava minhas costas e Luther me trazia água.

O som dos alto-falantes nas árvores emitem risadas infantis que se transformam em risadas diabólicas, as conversas e risadas ininterruptas me cercam e abafam o assobiar violento do vento que bate contra as minhas pernas nuas. Máquinas de neblina artificial obscurecem suavemente a vista à frente, criando a sensação de estar em um ambiente assombrado e abandonado, como um cemitério. Lanternas de abóbora com rostos maliciosos sorriem em todos os cantos, todas esculpidas com faces sinistras e adornadas com decorações de esqueletos, teias de aranha, lápides e monstros. Ao meu lado, ouço o riso de bruxas, lobos uivantes e sussurros fantasmagóricos, vindos da pequena cabana de madeira gasta e da floresta escura de folhas artificiais. Presos às árvores por correntes, bonecos animatrônicos mortos-vivos em tamanho real são projetados para pularem no meio do caminho e arrancarem gritos assustados daqueles que passam. O carrossel dourado à minha esquerda possui cavalos ensanguentados e assustadores, e em vez de girar suavemente, o brinquedo sobe, despencando de repente como se fosse se soltar dos pregos.

Chase MeWhere stories live. Discover now