CAPÍTULO 24. Rocks e motos

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ERIS

31 de dezembro, dez anos atrás

— E aí, grandona? Sério mesmo que num dia lindo desse você vai ficar com essa roupa e lendo? — Olho através das lentes escuras para a dona da voz que está bloqueando o sol, e depois volto o olhar para o prisma com a luz e o arco-íris do The Dark Side of The Moon estampados na minha camisa. — Já não basta ler livros de história o suficiente, precisa ter o Pink Floyd como banda favorita?

— Você também gosta — respondo. — Sempre pega meu fone quando estou ouvindo música e pede para eu explicar as letras.

— Gosto mesmo, e obrigada por isso. Me sinto inteligente quando aprendo sobre. Mas eu prefiro o Guns, desculpa, o Axl é mais gato e todo mundo sabe que ninguém supera o Slash na guitarra.

— O Slash nem entra na lista dos 10 melhores guitarristas do mundo. Você sabe disso, não sabe?

— Como assim? — ela coloca as mãos na cintura. — Temos o solo de guitarra mais incrível.

Todos sabem que a verdadeira disputa de solos acontece entre Stairway to Heaven do Led Zeppelin e Comfortably Numb do Pink Floyd. November Rain do Guns N' Roses sempre fica em terceiro lugar.

Vou dizer isso para ela? Não. É sempre uma perda de tempo.

Ela tira o exemplar de As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano, das minhas mãos e pergunta

— Esse é o livro que estudamos com o professor de história esse ano no colégio?

— Sim — respondo.

— E você está lendo essa bomba de novo, Eris? Sério mesmo?

— Eu gosto de história, posso? — Aparentemente, não posso.

E estou lendo em espanhol agora, chata.

— Eu me recuso a aceitar um negócio desses, é você com isso... e a outra ali com revistinha de super-heroína. Gente, hoje é o último dia do nosso ano.

— Olhe ao redor — ela continua falando, mas eu só consigo enxergar o mar que nos cerca — estamos com esse paraíso particular pra gente, estamos com a lancha pra gente e vocês vão gastar o último dia do ano... lendo? Por favor, melhorem — ela caminha lentamente até a parte da frente da lancha e sobe, soltando a parte de cima do biquíni, deixando-a cair sob seus pés.

— O que você está fazendo? — pergunto.

— Achou mesmo que eu ia perder a oportunidade de nadar nua nessa maravilha? — solta os laços da calcinha do biquíni, ficando completamente nua. Ela me olha por cima do ombro e coloca a mão sobre os olhos para que o sol não atrapalhe sua visão e me encara — quer nadar comigo?

— Eu passo, obrigada.

— Bom, você que sabe. Hoje é o último dia do nosso ano, baby. E a vida, minha Eris... é uma só — junta as mãos para cima e atira-se em um mergulho perfeito na água salgada do mar.

31 de dezembro, dez anos depois

— Ai — digo, assim que sou atingida por um braço e expulsa do meu sonho.

Encaro o teto da barraca e solto o ar dos meus pulmões. Foi só um sonho, Eris. Passo a mão nos meus cabelos, olho para o lado e encontro os vários cachos assimétricos espalhados no meu travesseiro.

Dormindo com a Misha, eu constatei algumas coisas: 1) ela dorme primeiro que eu; 2) ela gosta de dormir com o indicador enrolado na minha correntinha; 3) ela só fica tapada com a coberta até a metade da noite; 4) ela se mexe enquanto dorme.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOWhere stories live. Discover now