CAPÍTULO 27. Namoradinha

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MISHA

— Namoraram muito? — meu pai perguntou, sem fazer contato visual comigo.

Miranda, Nara e eu estamos sentadas sob a grande mesa de madeira da varanda, esperando o chef terminar sua obra-prima culinária. Modéstia à parte, meu pai sempre mandou muito na cozinha.

— Quê? — quase me engasgo com a Coca-Cola.

— Sou velho, mas não sou gagá, minha filha — ele voltou o olhar para a panela de pedra em cima da grade do fogão a lenha — Arranjou uma namoradinha por lá, não?

Namoradinha?

Meu pai me olhou por cima dos óculos, Nara mordeu um sorriso indo ao encontro do noivo, e Miranda apenas riu.

— Seu pai fofoqueiro está querendo saber se você beijou na boca, querida — Nara passou a mão pelas costas do meu pai, e pude ver o anel de noivado em seu dedo anelar.

Sabe aquele carinho que só os casais têm um pelo outro? Eles têm isso. O que é curioso, porque eu tinha esquecido que meu pai gostava disso. E é curioso ver como os dois se entendem bem.

Fora que Nara é uma figura e nem parece que é irmã da Eris, que é um bicho ranzinza.

— Zeca, não usamos o termo namoradinha tem um tempo já... — ela diz, e olha para mim.

— Diga a ele que isso não é da conta dele, menina Misha — e Miranda piscou para mim.

Tivemos o cuidado de não ficarmos na frente de Miranda e Raimundo, exceto pelo dia em que ela nos viu indo para a festa da Denise. Ou Miranda é um poço de sutileza ou...

— Não posso ficar inteirado sobre as... as... seja lá o que vocês fazem, o que são... da minha filha não? Misha nunca me apresentou uma namorada sequer, sabia, Nara? Eu acho que esse coração de pedra é inatingível.

Quando tive uma namorada, não pude te apresentar, ou você já esqueceu, seu Zeca?

Eu acho que meu pai tem amnésia.

Eu acho não... eu tenho certeza.

— Não vai me dizer que você é da linha bicho do mato como a minha irmã? — Nara perguntou. — Já basta uma... duas não.

— Vou dar um pulo ali no Raimundo e aproveitar para tirar aquele homem da toca. Querem alguma coisa? — meu pai pergunta.

— Diga a Arlete para vir junto — Nara deixou um beijo na bochecha do meu pai e veio sentar-se conosco.

— Bicho do mato, é? — perguntei, olhando para Eris do outro lado da piscina. — Ela é bem assim mesmo.

— Deduzo que você já saiba que Eris teve um término complicado com a irmã da Denise — ela falou em um só respiro.

Complicado?

— Sim, soube por alto — não estou mentindo, estou? — A doutora Paloma, né? Sabe o que é mais doido nisso? Ela foi minha banca no TCC.

E aí nós três entramos numa conversa sobre a carreira da doutora Paloma como professora do polo da PUC aqui na serra e seu reconhecimento no corpo Freudiano do Rio de Janeiro. Mesmo como pesquisadora em Manchester, continuou atuando aqui de forma remota... por isso ela foi minha banca.

— Quando vimos a sua defesa, o sinal aqui da fazenda estava péssimo porque no dia choveu muito e não ficamos até a fala dela, só escutei vagamente quando foi apresentada. Mas você não era da PUC, era?

Inclusive, achei isso mega fofo. Eu nem conhecia Nara ainda, e ela fez questão de estar presente, ainda que de forma remota, na minha defesa de conclusão de curso. Conhecendo a Nara hoje, tenho certeza de que, se eu tivesse participado da minha colação de grau e formatura, ela teria arrastado meu pai junto.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum