— Oi, Zoe! Oi, Zuri! Vão com seus amigos, senão eles podem se perder!

Elas olham para os lados, meio perdidas, mas conseguem ver onde eles estão.

— Muito obrigada, tio! O outro nos tratava mal, ele nos batia com um cinto e não nos deixava sair para brincar. — Zuri abraça Alan.

— Tchau! E de novo, obrigada! — Zoe acena, quase tropeçando quando dispara em meio ao bueiro escondido por entre as árvores.

Ele dá um sorriso de canto de rosto e volta para cá.

— Obrigado, Noah, agora vamos logo para a fábrica enquanto o homem conserta tudo ali.

— Mas o vigia da frente não vai pegar as crianças? — Noah pergunta, ele parece mais preocupado com elas do que conosco.

— Ele deve estar bravo demais para acreditar que elas estão entrando em um esgoto debaixo da terra. No calor do momento, provavelmente vai imaginar que está alucinando.

— Verdade — falo, porque já provei essa situação.

O guarda está quase resolvendo o problema do painel. Nesta brecha de tempo, entramos por uma grande porta dupla de madeira.

Ter pisado dentro desse lugar foi uma das situações mais desconfortáveis que já passei na minha vida.

As pessoas estão fazendo trabalhos repetitivos, como colocar lenha para servir como combustível nas fogueiras. Outras pessoas estão responsáveis pela metalurgia, batendo diversas vezes no mesmo ferro para simplesmente colocá-lo na fogueira. Já outras moldam itens de vidro, como garrafas e copos.

Tenho um sincero medo de quando estiver fazendo isso, eu ser jogado ali dentro. Atrás de todas elas, tem uma bandeira enorme, branca e dourada, com um símbolo da Levihart estampado.

Todo o lugar é amedrontador e irracionalmente pesado. Todas as estruturas parecem serem feitas para um matadouro, tendo estacas pontiagudas cruzando o teto negro. Sinto um cheiro enjoativo que é estranhamente incomum, o que me faz sentir um pouco do meu café da manhã atravessando a minha garganta.

O som das pessoas amassando ferros e das máquinas vaporosas cuspindo faíscas está me causando náuseas. As pessoas demonstram claramente o desespero somente em suas expressões. Minha respiração vacila, só de olhar para as manchas sangrentas expostas na parede.

Um estrondo vem da porta, então ela se abre com um chute do homem que estava levando as crianças. Sinto uma fisgada no pulmão somente pelo susto. Nós cinco nos escondemos atrás de uma lareira.

— Quem foi o estrupício que roubou os 417 à 422? Aqueles produtos estavam ótimos! — Ele faz uma pausa, e solta uma risada irônica, seguida de palmas lentas. — Parabéns, agora vocês irão pagar o meu prejuízo.

Ele pega no braço das primeiras 3 pessoas que ele vê, ao olhá-las, dá para sentir o desespero, o pavor, o medo que elas estão passando. Os olhos delas se arregalam, gritos começam a ecoar pela fábrica, sendo o único som que agora se pode ouvir. O resto fica petrificado, se recusando a produzir o mínimo barulho que fosse. Mulheres se agarram nas mesas, com uma tentativa desesperada de fugir.

É possível ver ao lado direito da sua costela, desenhado por meio de cortes derivados de facas, um número: "300". O sorriso no rosto do homem é o mais assustador, seus dentes quase podres ficam a mostra, enquanto faz questão de ser cruel com os outros. Jovens tentam chutá-lo, mas mesmo assim, não conseguem se defender da intimidação causada pelo guarda.

Os berros são agudos e repetitivos, seguidos de quedas abruptas no chão. Joelhos são ralados na superfície áspera de cascalho. Seus rostos são cortados pelas pontas de madeira presentes na porta.

São 3 contra um, mas mesmo assim, são puxadas para fora. Agarradas pelos cabelos, espancadas por todo o caminho. Mas, no fundo, todos nós do campo sabemos que não elas podem reagir muito bem contra ele.

Temos certeza de que todos poderíamos ter nos rebelado contra ele, e impedido isso tudo. Mas nós não conseguimos fazer nada contra a sua arma principal.

O medo.

O pior de tudo isso é que eu me tornei impotente, eu não posso fazer nada por enquanto. Meus olhos ficam marejados, mesmo não tendo nem dois minutos que entrei na fábrica. Será que se a Fulehart não existisse, eu poderia estar no lugar dessas mulheres?

Claro que sim, sou impuro também. Eu não sei porque nos odeiam tanto. É absurdo o quão posso ser insignificante agora. Mas, percebo que não estamos mais obedecendo às leis. Posso ainda ser inútil, porém, nada me impede de mudar tudo isso daqui a uns dias.

Estamos em uma missão suicida, não é?

O último a morrer aqui não será um impuro.

A Ascensão das Chamas EscarlatesWhere stories live. Discover now