Capítulo 17

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— Os Canas chegaram!

Exclamou alguém, baixinho, mas deu para ouvir no silêncio. Não tenho tempo de reação. Logo todo mundo se deita no canto e finge que estão no quinto sono. "Cana" era um apelido carinhoso para os vigias da noite — que não eram nada carinhosos. Me falaram que eles sempre levam um com eles.

Eu, como uma pessoa muito inteligente, corro para o canto e me encolho como um caracol, e é o que todos fazem simultaneamente. Alan fica na porta tirando os blocos de cimento e colocando uma pequena pedra debaixo da porta, para fingir que estava realmente emperrada. Depois que termina o serviço, se teletransporta para o fundo do dormitório. Até que finalmente a porta é aberta com um chute.

— Onde ela está? — É a mesma escória da sociedade que queria matar as crianças. Ele parece embriagado, drogado, ou qualquer coisa do tipo. — Apareça!

Ele está murmurando algo repetidamente. Todos estamos jogados fingindo estar mortos de cansados. Quanto mais ele se aproxima, mais nítido ficam os seus murmúrios desordenados.

"Um"

Um... É a Maya! Beleza, agora ele está indo atrás dela. Para quê? Não sei, mas tenho quase certeza de que ela é protegida da Summer. Ele a acha encolhida no canto superior esquerdo do dormitório, e a primeira coisa que ele faz é pegá-la pelos cabelos.

Pelas frestas das minhas pálpebras, consigo vê-lo arrastando-a pelo chão. Consigo ouvir suas costas sendo rasgadas pelas pequenas pedras e navalhas cegas espalhadas na terra pútrida. Um arrepio de agonia e ódio passa por todo o meu corpo. Lagrimas enchem os seus olhos, mas não escuto nenhum pedido de socorro.

Ele a tira da sala, um silêncio ensurdecedor me deixa incomodado, o que me convence a tomar a atitude de correr atrás dele. Me levanto lentamente, sem as pessoas conseguirem me ver devido à penumbra.

Cada segundo que se passa, eu penso em retornar. Talvez eu possa perder minha proteção. Pode ser que eu perca minha vida... Mas mesmo assim, continuo me arriscando.

Me esgueirando pelas paredes da fábrica, vejo que eles estão passando pelo grande corredor em direção a uma sala. Segundo as sombras que começam a aparecer, ela está se contorcendo enquanto é arrastada.

Seus cabelos estão sendo puxados para cima. Gritos agudos e apreensivos ecoam pelos corredores, finalmente tendo o fim em uma sala escura. É a mesma que fui marcado.

Logo depois de ele abrir a grande porta dupla enferrujada, consigo ver Maya sendo jogada contra um dos cantos da sala. Na queda, ela derruba algumas facas e umas bandejas, onde pequenas tesouras ficam separadas.

"Tesouras para puros, e tesouras para impuros".

Fico escondido, agachado atrás da parede, escutando o mínimo de barulho que fosse.

Ouço um som de pancada, me inclino para conseguir enxergar algo na sala, a única coisa que vejo é o rosto de Maya virado para o lado e a mão do homem levantada.

Vejo a sua mão podre encostar no rosto dela novamente, sangue sai do seu nariz, golfando até a parede. Ela não reage, pelo mesmo motivo que todos os outros prisioneiros ficam presos: medo. Imediatamente já sei o que fazer.

Começo a tirar a amarração improvisada dos meus shorts. Enquanto isso, ele olha para ela e abre um sorriso macabro. Os barulhos estrondosos das pancadas são como os martelos da fábrica amassando o ferro.

A cada segundo, mais a minha raiva cresce contra aquele homem. Os olhos dela parecem que vão estourar, lágrimas saem de seu rosto junto a gritos pavorosos.

Meus dentes cerram devido ao ódio que acabei de sentir. É incrível a ironia do destino. Eles nos chamam de podres, enquanto eles têm o poder de fazer crueldades imperdoáveis com os outros apenas por poder. Minha mão espreme a quina da parede em uma tentativa de aliviar essa raiva, mas não adianta nada.

Dane-se a paz. Dane-se o equilíbrio. Dane-se a tentativa de ver e não fazer nada.

Ele está segurando as mãos dela, numa tentativa de deixá-la impotente. Os gritos de desassossego ficam cada vez mais altos, enquanto meus olhos ficam cada vez mais acerejados. Não é agora que uma crise vai me afetar. O sangue começa a correr mais rápido do que o normal em minhas veias. Será mais fácil enforcá-lo assim.

Ele faz um movimento com a cabeça, tentando encostar em seu pescoço. Não sei se ele quer a beijar ou a morder. Não faz diferença. Entro em disparada com o cadarço em minhas mãos. A distância que eles estavam de mim nem era tão longa, mas era o bastante para eu conseguir voar para cima dele.

Dou um salto enquanto um dos gritos de agonia de Maya me ensurdece. Meus olhos dilatam enquanto miro na cara daquele desgraçado. Meu pé alcança as suas costas, sinto a sua coluna dando um pequeno estalo.

Exatamente o que eu queria.

Pego os seus braços e amarro pelo cadarço, ele é longo o bastante para juntar a sua cabeça no processo. Agora os gritos de dor eram seus. Isso é maravilhoso. Inclino o seu crânio o suficiente para entortá-lo até os limites do cadarço.

Os seus olhos arregalam, prováveis pedidos de socorro são arquejados por ele. Eu nem sequer os escuto. Pego pelos ombros e empurro-o contra a parede, imobilizando-o. Chuto as suas costas e puxo os seus braços.

Para quê? Hoje estou a fim de quebrá-los lentamente.

Meu nariz sente um cheiro ferroso, não sei se é o meu sangue ou o dele, mas não importa. Só quero que ele sofra até o seu último segundo de vida. Seus gritos de frenesi são música para os meus ouvidos e aumentam gradativamente.

Quanto mais as suas costas são pressionadas, mais um som de coisas quebrando é audível. Um sorriso abre no meu rosto. Eu o conheci hoje, mas a vontade de matá-lo era maior do que qualquer outra coisa.

Faço questão de apertar o cadarço ainda mais, sua expressão agonizando me causa uma felicidade inexplicável. Quanto mais aperto o nó que fiz, prendendo os seus membros e sua cabeça, ele perde o seu fôlego, sufocando gradativamente.

O meu sangue dispara entre as minhas veias, a sensação é como se eu estivesse no efeito da Host mesmo sem ela. E isso é delicioso.

Os olhos de Maya estão assustados, mas também relaxados — pelo menos, a meu ver. Ela se arrasta até o homem ainda em minhas mãos. Estende o seu braço direito e pega uma tesoura que acabara de cair no chão.

Está suja de sangue fervente, meu sangue, o qual facilmente poderia causar uma queimadura grave se encostasse em alguém. Ela olha para mim com um olhar frio e horrífero. Será que ela vai me matar agora?

Os segundos de medo não duram muito. Seus olhos viram diretamente para o homem, e em apenas uma fração de segundo, encrava a tesoura no seu peito. O corpo dele parece estar sendo perfurado por mãos de cirurgião, mas é apenas a Maya. Ela vira a tesoura em apenas um golpe frio e calculado em um ponto específico.

De repente, os gritos dele param, os seus olhos giram para dentro de suas pálpebras. Sua pele, que já é branca, fica extremamente pálida e um som agonizante acontece. A única coisa que ouço depois disso é a voz de Maya ecoando por todo o cômodo:

— Ops, acho que ele voltou para o inferno.

A Ascensão das Chamas EscarlatesUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum