Capítulo 18

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Continuo arfando pelo que acabou de acontecer. Minhas mãos continuam ensanguentadas, minha visão avermelhada e meus músculos flexionados. Acho muito difícil meu corpo se estabilizar tão cedo, se eu não desmaiar agora, desmaio daqui a pouco.

Maya de repente se deita no chão, fecha os olhos e parece que dorme, mas já deve estar de madrugada, e se a verem fora daqui, ela não sai ilesa.

— Maya — Falo a cutucando — Acorda, temos que ir para o dormitório.

Ela se contorce no canto da parede, não querendo se levantar.

— Vamos logo, se nos acharem aqui com um corpo, os próximos a ter as costas virando biscoito quebrado vão ser a gente.

Ela se apoia na parede, conseguindo se levantar, ainda com sangue manchando a sua camisa que antes era branca. Seus olhos estão carregados e ela está tonta demais. As características dela agora estão melhores que as minhas.

Meus olhos estão tão cansados que parecem que vão me puxar até contra a gravidade. Tem sangue saindo para tudo que é lado. Dos meus olhos, minha boca e meu nariz estão com uma textura grudenta. Minha pressão deve estar nas alturas, as veias do meu braço estão saltando loucamente, como se quisessem sair do corpo.

— Vamos embora. — Uma frase fria e exausta, sei que ela deve estar sem cabeça para qualquer outra coisa agora.

Eu pego a sua mão direita e a apoio no meu ombro, para apoiá-la, garantir que ela não cairá no chão e bater a cabeça no meio do caminho.

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Estamos na porta do dormitório, agachados, porque se entrarmos simultaneamente, o barulho será muito alto.

— Desculpa se fiz alguma coisa de errado — comunico, não sei se posso ter feito alguma besteira, mesmo sabendo que fazer isso foi um dos melhores sentimentos que já senti. — Peguei raiva dele hoje de manhã, sinto muito por tudo isso.

— Você mata uma pessoa somente por raiva?

Uns segundos de um silêncio constrangedor se passam como se fossem horas.

— Desculpa.

Ela solta uma pequena risada.

— Eu pensava que só eu tinha problemas de raiva. Por esta e outras razões, me colocaram aqui.

— Tem outra razão?

Ela para por uns segundos, pensativa.

— Ah, tem sim. Dizem que sou demente, um erro biológico, essas coisas. Mas o médico dizia que sou autista.

O tom de voz com que ela disse isso chega a ser surpreendente.

— Ata, entendi.

Praticamente ignoramos a conversa, e também não quero contar o porquê de eu estar aqui. Fiquei traumatizado depois da patada que a Emanuela me deu.

— Bom sono. — Ela entra no dormitório agachada e vai para a esquerda.

Parece que ela atingiu todos os meus pontos fracos, o azul não era uma das minhas cores preferidas, até eu conhecer o profundo e misterioso turquesa de seus olhos. O seu cabelo afogueado me traz um calor que não costumo sentir nestes dias frios. Tomara que ela fique bem.

Paro para pensar em algo que invade minha mente. Faz seis meses. Não consigo refletir o suficiente sobre isso, apenas uma dor invade meu peito. Eu não consegui salvar ninguém. Até hoje, aqueles olhos dourados me assombram em meus pesadelos.

Tenho que esperar uns 10 segundos para não causar muito barulho de uma vez só, olho para os lados para ver se tinha alguém no corredor.

Não deveria ter olhado.

Olhos refletem a luz que insiste em desestabilizar sempre. Uma máscara que cobre o resto de seu rosto chama a minha atenção. Uma roupa repleta de faixas, cordões e bolsos, totalmente preta, é o que o camufla no meio do corredor.

Aqueles olhos. Nunca pude esquecer aqueles olhos.

Entro em estado de choque, a minha visão fica turva imediatamente, as minhas pernas enfraquecem e os braços relaxam demais. Acho que é agora que desmaiarei mesmo.

Seis meses depois, a pessoa que matou minha família aparece na minha frente.

Ao meio do ar pesado, sinto uma mão escorrer por trás de meu pescoço. É como se tudo estivesse paralisando novamente. Aqueles momentos passam pelos meus olhos. O vazio incessante volta. Um desespero inigualável me sufoca.

Não.

Eu ainda tenho chances de sair daqui.

Todo o meu corpo se contrai enquanto sinto o calor mais gelado que pude imaginar. A cada segundo, a mão aperta a minha nuca, e parece que paro a minha respiração imediatamente. A única coisa que vejo é a sombra do assassino. Seus olhos dourados são tão resplandecentes que emitem um brilho.

Num movimento ansioso, consigo chutar a minha retaguarda enquanto ele aperta o meu pescoço. Sinto sua mão rasgar a minha nuca, mas consigo despistá-lo em um piscar de olhos.

Os seus olhos fulvos deixam um rastro no meio da escuridão, sucumbida pelas chamas. Me viro precipitadamente, sem nem prestar atenção nas quinhentas formas que ele pode me matar. Em supetão, acerto o seu pescoço, concentrando MAO na ponta dos dedos.

Meus batimentos estão a cada segundo mais acelerados e tenho certeza de que, se eu ficar mais um tempinho aqui, eu caio duro no chão. Por que ele está aqui? Veio terminar o serviço? Não, ele já teria me matado.

Pego o cadarço que estava pouco amarrado em minha perna e o enrolo no meu braço ensanguentado. Ele simplesmente suga todo o meu sangue, repleto de glóbulos inteligentes, quentes e preparados para queimar alguém.

O desenrolo do meu braço, enquanto venho para a parede do quarto, encravo a minha visão nos olhos flavescestes que tanto me perseguem. O tanto de sangue que saiu do meu corpo me causa uma inquietude, mas uma hora isso passa.

Vejo uma grande luz pelos corredores. Não é nada sobrenatural. Lanterna. Os guardas estão vindo averiguar a balbúrdia. O assassino parece incomodado. Sua posição muda. Ele virá para cima.

O cordão cruento está em minhas mãos. Agora é vida ou morte. Em quase um teletransporte, a figura de olhos dourados dispara em minha direção. Minhas pálpebras quase se fecham. Meu sangue está saindo por todo o corpo. Quando o assassino está de cara a cara comigo, jogo o cadarço.

Ele gira em um movimento rotatório em direção ao assassino dos olhos fulvos. Ele está encoberto de ciscos, que atordoam a minha visão. O sangue desce na minha testa como se fosse suor, e meus braços arqueados parecem que vão estourar a qualquer momento.

Finalmente, o cadarço chega nele.

E acerta.

Me jogo para dentro do dormitório. As luzes chegam até o corredor. Guardas com armas pesadas disparam por todo o caminho, sem sucesso. O assassino desaparece, como ele sempre faz. Me arrasto sobre o chão sujo, tentando me esconder. O barulho estrepitoso desperta Alan. Deslizo até ele, pedindo socorro.

— Host... sem ar... assassino... — Solto palavras sem sentido, acho que não estou conseguindo nem pensar direito.

Ele olha para mim e coloca as mãos no bolso secreto na calça dele e solta algumas palavras que soam como ruídos. Depois disso, minha visão fica totalmente nebulosa, olhos fechando cada vez mais rápido.

Acho que desmaiei.

A Ascensão das Chamas EscarlatesWhere stories live. Discover now