Capítulo 1

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— Pai eu não sei o que fazer. — disse com meus olhos marejados, apesar de odiar demonstrar fraqueza diante de meu pai — Eu estou atrás de qualquer trabalho que ofereça um salário que dê no mínimo para pagar as nossas contas, mas parece que em todas as vagas que eu me inscrevo sempre há alguém mais qualificado para o trabalho, estou ficando sem opções.

Suspirei na poltrona, com as mãos na testa encarando o chão.

— A Alice está muito sobrecarregada e eu não consigo mais ver ela se matando para dar conta de tudo sozinha, não é justo. Eu não posso deixar que isso aconteça, mas não sei mais onde procurar.

Ele me ouve em silêncio, me observando atentamente e quando termino de falar ele diz:

— Você está pensando pequeno meu filho. Todos esses empregos que você procurou foram dentro da sua área de atuação, não foram? — então, espera uma resposta.

— Sim. É isso o que eu sei fazer, o que mais eu poderia tentar que me proporcionaria um salário que cubra nossas despesas? — Encaro curioso meu pai ao perceber que ele parecia ter uma ideia.

— Eu sei que nunca esteve em seus planos, mas e se você ficasse no meu lugar? — diz pendendo a cabeça para a direita analisando.

— Seu lugar? Como assim? — Naqueles primeiros instantes não pude ao menos compreender o que ele estava sugerindo.

— Trabalhar no meu posto, para o Jack. Você sabe que apesar de ser um serviço duro, ele paga muito bem, afinal foi com esse dinheiro que eu criei vocês e construí tudo isso. — ele aponta ao redor com os braços.

Não. Isso definitivamente nunca havia passado pela minha cabeça. Ao mesmo tempo em que reconheço o quanto meu pai acumulou em todos esses anos de serviço, também sei de tudo que ele teve que sacrificar em prol de seu trabalho, eu amo muito ele e sou muito grato por tudo, mas ele não foi exatamente um exemplo de pai. Sei que não foi culpa dele e era necessário para que eu, minha irmã e minha mãe tivéssemos conforto, sem que precisemos nos preocupar com qualquer necessidade. Porém, eu queria construir uma família futuramente e não quero ser ausente para eles como ele foi. Além de que minha esposa não ficaria nada satisfeita ao saber que eu trabalharia por muitas horas e até dias seguidos sem retornar para a casa.

— Não há como pai. Eu admiro muito o que o senhor fez por nós, mas eu não quero essa vida pra mim. Eu me lembro dos riscos e sei melhor do que ninguém das coisas que você teve que abrir mão e eu não acho que vale a pena.

— Eu não estou dizendo que você precisa fazer isso pelo resto da vida, mas como você mesmo disse, você está sem opções. Vai permitir que a Alice se mate de trabalhar para sustentar vocês dois até que uma oportunidade boa o suficiente caia do céu pra você? Esse não foi o filho que eu criei. Você sempre foi batalhador e sabe muito bem que um homem tem que assumir o seu papel. — disse com uma expressão de desgosto.

Infelizmente, ele estava certo. Eu não podia deixar que essa situação se estendesse por mais tempo. Todos os dias quando ela chega em casa eu vejo em seu olhar o quanto ela está exausta e eu me sinto péssimo em ver ela passando por isso, por mais que eu lide com todos os afazeres domésticos enquanto ela está fora. Mesmo que tenhamos nossos problemas, ela é uma boa mulher. Não merece um marido que precise ser sustentado enquanto ela se vira, trabalhando 8 horas por dia e ainda fazendo bicos aos finais de semana. Além do mais, isso poderia ser provisório e eu poderia continuar procurando outras oportunidades em paralelo. Jack realmente pagava um salário alto ao meu pai e um período trabalhando para ele traria uma quantia que nos daria uma segurança por algum tempo, até que as coisas se ajeitassem.

— Você tem razão, mas você acha que eu sou apto para o serviço?

— Bom, vou ser sincero, não é nada fácil. Vai exigir muito de você, fisica e emocionalmente, mas é como eu havia dito, eu conheço você e sei que quando quer conquistar algo vai até o fim, e por isso eu tenho certeza de que você se sairia muito bem, só precisa deixar suas emoções de lado e fazer o que é preciso. E algo muito precioso que você tem que te diferencia de qualquer outro é o seu caráter e a sua lealdade, fatores substanciais para esse serviço. Porém, já te adianto que lidar com ele não é nada fácil. Como você sabe, ele é um dos homens mais poderosos deste país e por isso está acostumado a conseguir tudo o que quer, quando ele quer, não importa o que seja.

— Eu estou disposto a fazer o que for preciso. — retribui com confiança.

— Você não tem ideia do quanto vai ser desafiador — ele diz encarando o copo com whisky e gelo em sua mão, depois volta seu olhar para mim e prossegue dizendo firmemente — mas lembre-se que manter sua família unida e amparada sempre vem em primeiro lugar. Amanhã mesmo falarei com ele e te aviso sobre os próximos passos.

Me levanto do sofá, encaro-o nos olhos e agradeço a ele, sempre fazendo tudo por mim.





Jogo as chaves na mesa e fecho a porta de casa.

— Ali cheguei. — digo tirando o sapato quando vejo a televisão ligada no canal do noticiário. Morávamos em um apartamento pequeno mas confortável para nós dois.

Vou até a sala e vejo Alice deitada dormindo desajeitada em nosso sofá, ainda estava vestindo a roupa que tinha usado para ir trabalhar. Vou até a cozinha, faço um prato colocando as sobras do almoço, que eu havia feito antes de sair, para esquentar. Quando ligo o microondas, ela acorda e chama por mim:

— Felipe? Você chegou?

— Sim. — respondo indo até ela — e trago boas notícias.

Conto sobre o emprego, por mais que ela soubesse superficialmente sobre o antigo trabalho do meu pai, explico com mais detalhes adicionando as mudanças que aconteceriam comigo, caso isso realmente desse certo, sem deixar as partes negativas de fora, já que escondê-las só tornaria tudo mais complicado futuramente.

— O quê?? ela diz em um tom alto, indignada — Não, não e não! Você não vai. — diz jogando a almofada que estava em seu colo para o lado e se levantando bruscamente do sofá.

Tento encontrar a melhor forma de convencê-la:

— É a nossa melhor oportunidade, você vai ter um alívio, não vai mais precisar trabalhar tanto.

— E em compensação eu não vou mais ver você, o que adianta? Eu não quero isso.

— Não precisa exagerar, é claro que você vai me ver, apenas com uma frequência menor, mas eu sempre vou estar aqui com você e é só por um tempo. — digo me aproximando para abraçá-la, mas ela desvia.

— E ainda por cima você vai ser segurança da mulher dele?! A sua função vai ser passar o dia todo com ela? Você deve estar adorando a ideia. Ela é bonita? — diz ela levantando progressivamente o tom de voz.

— Para com isso, ficou maluca? Você está me ofendendo. Acha mesmo que eu fiquei cinco anos me esforçando na faculdade para me formar e trabalhar como segurança? Além do mais, eu sei mais do que ninguém o quanto esse trabalho é exaustivo, mas eu estou fazendo isso por nós, pelo nosso futuro. — digo perdendo a paciência devido às suas insinuações.

— Mentiroso. Você só pensa em si mesmo, se ligasse para mim faria o que eu estou pedindo: continuaria procurando outras oportunidades e esqueceria essa ideia. E você não respondeu a minha pergunta, como ela é? — disse franzindo as sobrancelhas com os braços cruzados.

— Como você pode dizer isso depois de tudo o que eu fiz por nós? Eu não tenho ideia de como ela é, você acha que eu dei importância para isso? Meu pai era o segurança de Jack e se aposentou algum tempo depois que eles se casaram, eu nunca vi ela.

— Não quero mais ouvir uma palavra sua, você acha que eu não sei o quanto você é orgulhoso, por isso não aguenta passar mais um dia desempregado. Amaciar o seu ego é mais importante do que nosso relacionamento.

A raiva foi subindo-me a cabeça e eu precisei usar todo o meu autocontrole para não explodir com ela e tentei me acalmar. Antes que eu pudesse me defender, ela saiu da sala, foi para o nosso quarto, jogou meu pijama para fora e bateu a porta. Respirei fundo e dei o meu máximo para deixar tudo isso para lá. Me agachei, peguei o pijama e fui dormir no sofá.

Entre o Perigo e a PaixãoWhere stories live. Discover now