Noto, primeiro, seu tique nervoso, essa coisa estranha que nos aproxima enquanto seres humanos suscetíveis à peculiaridades. Já estalou todos os dez dedos cinco vezes consecutivas, sendo que nesta última vez nenhum dedo sequer fez qualquer barulhinho. Kris projeta a cabeça para frente, o olhar atento a mim.
— Enquanto eles não chegam, a gente pode ir planejando o trabalho.
Concordo em um aceno desanimado. Não estou bem dormida, sonhei com esta biblioteca ontem a noite, e me constrange o quão fácil foi anteceder um evento de forma tão fantasiosa, tão ridícula. Todos discutíamos calorosamente, em meu devaneio, alguma futilidade da vida, a qual sequer me lembro agora.
Kris suspira. Como não digo nada, toma uma atitude.
— Vou ver se tem algum livro pra nós por aqui. — Deixa a mesa, se enfiando em meio às estantes abarrotadas de livros velhos e empoeirados.
Eu espio pelo vitrô enorme da Biblioteca, esperando que Sócrates e Rebeca surjam em meu campo de visão, coisa que não acontece durante a ausência de Kris, que logo volta ao seu lugar, de pé à mesa.
— Achei um livrinho sobre o Realismo — diz, sorrindo e largando um livreto, que, de tão fino, parece um daqueles livros de como ficar milionário. — E peguei o melhor livro do Machadão pra gente apresentar.
— Dom Casmurro? — pergunto retoricamente, me sentindo bastante intelectual, a própria Crítica Literária Machadiana. É, Dom Casmurro! Eu conheço Machado de Assis!
— Não, não... Passou perto — responde, rindo. Ergo a cabeça e encontro Memórias Póstumas de Brás Cubas em suas mãos.
— Memórias Póstumas é ótimo também — acrescento, na pressa, dando um sorriso forçado.
Kris balança a cabeça e se senta em seu lugar.
— Se você quiser, a gente pega o Bentinho mesmo, tranquilo.
— P-p-por mim, tanto faz...
— Por mim também. Gosto mais de Brás Cubas, acho mais interessante... Só que Dom Casmurro é o clássico, gosto da pegada shakespeariana dele também — Kris diz e depois me encara. — Mas o que cê acha, Sofia?
Acho que tô bem pra trás na briga por uma vaga na universidade.
— Pode ser Brás Cubas.
Kris ri.
— Não se influencie por mim e seja sincera, por favor — diz, e coloca a mão no coração, o dedo mínimo torto pro lado esquerdo do peito. — Eu aguento!
Sorrio, sem graça, pronta para confessar minha heresia.
— Só li Dom Casmurro.
Kris acena com a cabeça, uma expressão gentil no rosto, a piedade pelos idiotas sem boas referências.
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Operação Lobo-Guará
Novela JuvenilRebeca talvez mereça o título de miss perfeição: extrovertida, inteligente, bonita à beça e cheia das boas amizades. Seu calcanhar de Aquiles? A bendita matemática, o dom que corre pelas veias de sua família há gerações. De olho na sabe-tudo da sala...