Olivier

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- Ele te ligou? - Amelie levanta a cabeça para me encarar, sua voz tentando manter o tom divertido de sempre e sendo quase convincente para qualquer outra pessoa que ouvisse, mas não para mim - Quem diria que eu só precisava fazer birra que ele quebraria o tratamento do silêncio.

Ela repetia a palavra "birra" no mesmo tom que nosso pai costumava usar, parecia quase uma repreensão a si por mais uma vez ter se permitido sentir demais - Ou como nosso pai apontaria, falhar. Não poderíamos em hipótese alguma agir como criancinhas fracas e ele repetia isso constantemente desde que consigo me lembrar - Repetiu isso quando Amelie chorou ao quebrar o braço aos nove anos e repetiu isso quando ela sentiu sua falta na formatura do ensino médio, ele repetiu isso tantas vezes que ela apenas vestiu as malditas acusações porque seria mais fácil apenas aceitar que Montel sempre venceria.

"Tratamento do silêncio" também era um termo familiar, ainda que aos seis anos não soubéssemos que tinha um nome ou que era uma forma cruel de manipulação - Sempre que Montel ficava insatisfeito com os filhos, o que era quase sempre, apenas parava de falar, nos ignorando o suficiente para que nos sentíssemos sombras miseráveis ansiando pela existência. Ele era bom em nos ignorar, bom demais.

Talvez por isso o silêncio de Milo tenha me afetado tanto, talvez uma parte de mim tenha voltado aos anos em que o silêncio torturante de Montel havia me vencido.

- Então... Problemas com guardanapos? - Arqueei as sobrancelhas, caminhando pela loja e me sentando em um banco para clientes, encarei minha irmã que sentou ao meu lado apenas aceitando que teríamos que conversar sobre isso - Não são só guardanapos, eu sei... E Milo também sabe, por isso me ligou.

- Ou ele pode estar procurando uma desculpa para falar com você. Eu acho que Milo sente tanto sua falta quanto você sente dele. - Deu de ombros.

Sabe o que eu acho, Amelie? - Ela sabia - Eu acho que tudo isso de perfeição é pela pequena Amelie que planejou "seu grande dia" esperando que com sorte o pai estivesse lá e se sentisse minimamente orgulhoso, que pelo menos uma vez na vida ela conseguisse ser boa o suficiente ou que por um segundo ele a visse, não precisaria de muito mais, um segundo era o suficiente, qualquer coisa seria suficiente. Me diz se eu to enganado, me diz que tudo isso não é porque uma parte de você tem medo dele estar certo sobre estarmos condenados ao fracasso porque somos dois fracassados que nunca conseguiram ser bons o suficiente para o pai ausente. Me diz, Amelie. Me diz que nenhuma parte de você acredita nele!

- Por que você tá dizendo isso? - Seus olhos brilhavam com as lágrimas que ela tentava reprimir.

- Porque preciso que você o enterre antes que ele vença, antes que todas as partes de você acreditem nele

- E quantas partes de você ele já destruiu, Olivier? Quantas partes de você ainda acreditam nele? - arqueou a sobrancelha

- O suficiente - me ajeitei no banco, me virando completamente para minha irmã - Meses atrás você me disse que estávamos lutando, mas eu preciso que você pare de tentar lutar contra o fantasma do nosso passado, pare de lutar contra Montel porque a cada vez que você tenta alcançá-lo, ele vence. Preciso que deixe essa garotinha enterrada naquela casa, junto com todas as coisas que ele a fez acreditar. Você não é mais ela, Amelie. Você não precisa que ele a veja para que apenas assim perceba que existe. Eu te vejo, Amelie. Todos nós vemos você. Milo me ligou porque te viu. Otávio vai se casar porque te viu. Acabou. Tudo aquilo acabou, ele não vai mais vencer.

Amelie entreabriu os lábios algumas vezes antes de finalmente me abraçar, ela me apertou com força e chorou no meu ombro se permitindo sentir porque dessa vez ela não precisava temer as acusações do seu genitor.

E se... - O Segredo na ilha RPGWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu