Prólogo

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A neve caía densamente na fortaleza entre as montanhas ao norte. O vento era frio e violento, fazendo as caixas de madeira cheias de suprimentos caírem no pátio.

A noite estava escura, sem nenhuma estrela no céu e o brilho da lua se ocultou no véu das trevas. Era mais um dia como qualquer outro nas montanhas do norte.

Uma fortaleza havia sido construída há trinta anos atrás, tudo para vigiar o abismo, afinal, um buraco escuro onde a escuridão toma forma em meio as montanhas apresenta uma certa repreensão pelos reinos. Claro que também tem outro motivo, pois então, aproveitando a deixa, a fortaleza também serve para vigiar os três reinos do norte. Considerados como uma ameaça aos grandes reinos.

Jennifer respirava o ar gélido no pátio, onde os soldados arrumavam as caixas que caíam. O vento frio entrava em suas narinas já vermelhas que escorriam a cada segundo. A sensação em seus pulmões era que já não havia mais como respirar. Os lábios da mulher de cabelos lisos e pretos estavam completamente ressecados. Mesmo estando completamente vestida com roupas longas feitas de couro, o frio era intenso, fazendo sua pele congelar.

Tremendo e com os braços cruzados, os olhos cinzas dela fitavam o enorme portão de entrada da fortaleza, até que finalmente ele se abriu.

Do lado de fora, estava um homem velho e de baixa estatura, mal chegava na cintura de Jennifer. Ele tinha uma barba grande e branca, usava um gorro vermelho e um cinto cheio de ferramentas e uma bainha. Ele era um anão.

- Balir. - A mulher o cumprimenta com um único gesto com a cabeça. O anão retribui.

- Jennifer. - já dentro da fortaleza, Balir olhava tudo com muita curiosidade. Ele sempre ouvira sobre a fortaleza no norte, mas nunca pôde ter a chance de conhecer pessoalmente - como estão as coisas por aqui? E Jake? Onde ele está?

- pior do que tá não tem como ficar - ela limpa parte do nariz que escorria. Sua voz saiu meio rouca devido à dor que começou a sentir na garganta - Jake está lá dentro, venha, vou te levar até ele. - A mulher pega na mão pequena do velho anão, ele usava um conjunto de roupas de frio com lã e algodão. Suas mãos estavam protegidas por uma luva vermelha e não tinha como evitar de reparar as grossas camadas de blusas que ele usava ao mesmo tempo. Jennifer pôde contar três.

Se formos parar para pensar, a aparência velha de Balir se dava por mais de dois séculos de vida, já que anões podem viver por cerca de trezentos anos.

Além de ótimos forjadores, os anões são ótimos contadores de histórias e conhecedores de muitos segredos e lendas antigas; Claro que também são ótimos bebedores de cerveja. Mas isso não é muito relevante.

Falando em beber cerveja, era notório que a maioria dos soldados, pra não dizer todos, viviam embriagados boa parte do tempo. Gritando, cantando e claro, falando nada com nada. Isso obviamente irritava Jennifer (o que não é difícil).

A mulher segue com o anão por dentro da fortaleza antiga que caía aos pedaços. Mesmo que todo o lado de fora fosse feio e aparentemente abandonado, o interior era diferente.

Por toda a extensão dos largos corredores havia um tapete vermelho com bordado e desenhos dourados. Os desenhos eram linhas encaracoladas e listras chiques e elegantes. As vezes se notava sois como um caracol, isso era uma clara referência ao brasão de um reino do Mundo encantado, sem dúvida o maior reino.

Pelas paredes estavam pendurados pinturas antigas de reis ou cenários de guerras. o ambiente era iluminado com o fogo crepitante de tochas.

Um dos corredores passava por um salão abarrotado onde alguns soldados bebiam e escandalizavam. Eles falavam exageradamente alto, mesmo estando pertos um dos outros.

Jennifer os ignora, mas Balir olhava atentamente com uma expressão de nostalgia:

- isso me lembra a vila dos anões, bebíamos sem parar e contávamos muitas histórias. - Um sorriso surgiu em seu rosto, um sorriso sutil mas com um tom de tristeza - saudades dos velhos tempos.

Conforme caminhavam, o barulho exagerado de gritos e risos sumia. Dando lugar para o silêncio e tranquilidade. Um outro soldado passou por eles, os cumprimentando com um gesto simples de cabeça.

Jennifer retribui.

- tudo aqui é tão antigo... - Balir continuava a prestar atenção nos pequenos detalhes - sempre quis conhecer as montanhas do norte, mas tenho que admitir: o frio aqui é terrível.

- nisso eu tenho que concordar - a mulher funga o nariz - esse lugar mais parece o inferno, só que congelado.

O anão solta um riso:

- fico imaginando o quanto você e Jake sofreram aqui durante esses três meses.

- nem me fale nisso, não vejo a hora de ir embora - de repente ela para em frente a uma porta e se solta da mão de Balir - aqui, chegamos.

Jennifer abre a porta e os dois entram.

A sala era pequena e cheia de livros. Ao entrar era possível ver a neve caindo lá fora através de uma janela fechada. Num canto estava a lareira acesa e perto da porta estava um homem com os pés em uma mesa de madeira. Ele lia um livro marrom em que o título estava desbotado.

A salinha estava aconchegante e quente, dando a liberdade para que a mulher tirasse suas roupas de frio. Logo, suas verdadeiras roupas podiam ser vistas: um capuz vermelho e por baixo uma camisa branca.

Ela jogou suas roupas de frio em cima de uma poltrona vermelha. Já o anão por outro lado, nem se incomodou de tirar suas camadas de blusas e calças que usara durante sua viajem até a fortaleza do norte.

- e aí Jennifer? Balir já chegou? - O homem de cabelos vermelhos pergunta sem perceber a presença de Balir na sala.

A mulher o olha com um suspiro frustrado e então diz:

- ele está bem aí do seu lado, Jake.

Jake tira os pés de cima da mesa e olha na parte inferior do móvel de madeira.

- nossa Balir, sinto muito não ter te visto. - Ele fecha o livro e se ajoelha diante do anão para poder cumprimentá-lo.

A altura de Balir mal batia na cintura do homem, suas mãos eram tão pequenas que davam quase metade da de Jennifer. Era incrível pensar que mesmo com as mãos pequenas, os anões são ótimos em forjar armas. E isso é sempre bom lembrar, afinal, além de beberem muito, essa era a melhor qualidade que um anão podia ter, claro que nada poderia superar o fato deles serem ótimos contadores de histórias. E que histórias.

Tenho que acrescentar que eles são os principais contadores de lendas antigas, atuais também, mas isso não chegava a ser tão interessante quanto uma princesa exilada colocada em um sono profundo pela sua própria madrasta. A adorável princesa foi salva por sete corajosos anões, apenas por isso já podemos considerar que essa história era a favorita de todos eles. Mas o crédito de salvar a jovem adormecida veio de um príncipe.

O beijo do amor verdadeiro, como não conhecer essa superstição dos tempos antigos?

Mas voltando para o que realmente é importante: Jennifer era uma dessas lendas contadas por todos, ou quase todos, como a história de uma garota que ajudou a mãe e a avó a salvarem o Mundo encantado? Ela só tinha dez anos quando conheceu uma criatura aparentemente maligna e amedrontadora, garras e dentes afiados, você sabe do que eu estou falando, ah se sabe. Muitos dizem coisas assustadoras dessa criatura, mas o que realmente aconteceu foi que eles se tornaram amigos, mas isso não importa, por enquanto.

Nos dias atuais, Jennifer protegia um dos reinos que acabaram por sendo dominados por um governo corrupto, onde bandidos saqueavam os plebeus a vontade. Mas nos últimos três meses, a mulher não havia feito nada de útil. Ela, Jake e Balir lideravam o grupo rebelde chamado de: Sangue vermelho.

Balir estava ali para entregar notícias sobre o grupo e os ataques feitos, obviamente que elas não eram notícias boas:

- como estão as coisas lá no Reino das lendas? - Jennifer, como quase sempre, lidera a discussão.

O anão fecha o rosto em uma expressão séria e triste ao mesmo tempo. Suas mãos cobertas pelas luvas vermelhas não paravam de se mexer nervosamente. Balir agora estava sentado na poltrona vermelha.

- queria dizer que estão boas, que nossos homens e mulheres estão dando conta e a população está recebendo as cestas de comida e água, mas infelizmente não, eles não estão. Nada está bom - sua voz vacilou e então ele começou a chorar e gaguejar -, sem vocês dois para dar as ordens e lutar contra aqueles soldados, nosso exército está sendo reduzido muito rápido.

Jennifer e Jake se entreolham com dois olhares sérios. A mulher, por outro lado levava uma mensagem com o olhar: eu te avisei.

- mas isso não é o pior - Balir continua enquanto suas lágrimas caiam em sua blusa de couro -, eles estão massacrando e torturando os cidadãos.

- eles o que!?! - Jennifer grita furiosa, batendo com o corpo contra a mesa. Seu grito foi tão forte que se não fosse o escândalo dos soldados bebendo, quase toda a fortaleza ouviria.

- eu tentei... Eu tentei lutar e liderar o exército, mas eu não consigo. - O anão começou a chorar ainda mais - a culpa é minha, Jennifer. Eu sou um péssimo líder.

A moça se aproxima dele. Se ajoelhando, ela coloca sua mão sobre o ombro de Balir. Jake por sua vez olhava depressivamente a neve caindo lá fora.

- a culpa não é sua, Balir. A culpa, bom, acaba sendo - o anão por um instante pensou que ela diria ser dela e de Jake, mas não - do Jake.

Ele se vira para ela com raiva:

- por que minha?

- você me obrigou a vir para esse inferno de gelo. Eu disse que seria uma péssima ideia largar o "Sangue vermelho" lá para lutarem sozinhos.

- desde quando eu te obrigo a alguma coisa? Viemos para uma missão importante...

Jennifer corta a fala do homem:

- e que missão, hein. Estamos a três meses sem fazer nada! Nada! Desde quando a imaginação de soldados bêbados é importante?

- você ainda continua nisso... - Jake coloca sua mão na testa - eles viram algo estranho rodando a fortaleza, acho que bêbados não conseguem imaginar as mesmas coisas ao mesmo tempo.

- vai saber, não duvido nada vindo daqueles soldados fedorentos.

O péssimo odor vindo dos homens se devia por causa do frio, sim, o frio. Aparentemente, um bando de marmanjos com barbas e que vivem diariamente num ambiente escuro não são capazes de tomarem banho no frio. Mas não devemos condena-los, já que a fortaleza não possuía água quente e, nem todos possuem a coragem e ousadia de Jennifer, dessa forma fica óbvio o porquê dela ficar gripada.

Mas melhor doente do que sujo, não acha? Jake não.

Fairy Tales: Era uma vezOnde as histórias ganham vida. Descobre agora