Capítulo 11

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Levámos o meu avô para nossa casa naquela mesma noite. O José Castro é um homem rijo e os exames estavam todos bem. Penso que seja a ele que a minha mãe saiu.
Aos 13 anos perdeu a mãe, aos 22 o marido e ,anos mais tarde, o próprio filho.
É o meu maior exemplo e quem me dera ser metade do que ela é.
-Leonor, temos de falar sobre uma coisa...-A minha mãe senta-se ao meu lado no sofá da nossa casa. O Vicente está algures com o meu avô, pelo que pela primeira vez hoje estamos sozinhas.
-É o avô outra vez? Afinal não está bem?
A minha mãe abana ligeiramente a cabeça.
-O avô está ótimo. É sobre o João.-O meu peito sobe e desce de forma irregular. Faltam alguns dias para fazer  3 anos que ele morreu, o que só pode significar uma coisa.-Sabes que a escola do teu irmão gosta de fazer a gala em sua homenagem, já no ano passado aconteceu.
No ano passado, a escola em que o meu irmão andava antes do acidente decidiu, depois de falar com a minha mãe, que queria usar o nome dele para solidariedade. A minha mãe não podia dizer que não, então fez-se uma pequena gala onde se leiloaram vários objetos, entre eles um quadro no valor de 200 mil euros. Foi aquele tipo de gala onde tivemos de usar vestidos elegantes e levar um par ou eramos mal vistos. Apenas para a alta sociedade, com dinheiro e, óbvio para nós, que não temos tanto assim.
-Mãe, não sei se me apetece ir... Não tenho par e reviver outra vez a morte do João...Não sei...
A minha cabeça está na verdade uma confusão.
-Pediram para discursares e eu disse que o farias, Leonor. Este ano é para ajudar os que ficaram paraplégicos em acidentes a terem melhores condições para viverem o resto da sua vida. O João teria gostado.
A minha mãe tem toda a razão. O meu irmão aceitaria logo ajudar.
-Não sei como vou arranjar um vestido bom e um par em duas semanas, mãe. Já me devias ter dito há mais tempo.
Ele ri um pouco, como se eu tivesse acabado de dizer uma tolice qualquer.
-Eu já tenho um vestido para ti, comprei porque sabia que não ias dizer que não.
-Mas...
-Quanto ao par, de certeza que arranjas um.
-Um par para quê?
A voz do Vicente chega diretamente da porta da sala de estar. Quanto é que ele terá ouvido?
-Vicente, voltaste. Como está o meu pai?
-Está a descansar. Disse qualquer coisa sobre ter de estar bem para um leilão ou qualquer coisa parecida.
Ele senta-se na poltrona ao lado do sofá, com uma naturalidade tão grande que parece que nunca o deixou de fazer. Esta foi de facto a sua segunda casa.
-Ah isso. A Leonor se quiser depois conta-te.-O meu ex-namorado olha para mim, franzindo a testa.-Agora fala-me do tempo em que estiveste longe.
Fito a minha mãe, incrédula, porque sei que ela sabe que o Vicente não vai descansar até descobrir.

                                                                                                   *
Ao fim do dia, por qualquer razão parámos na Foz.
O frio intenso entra-me pelos ossos e arrepia-me a espinha. Ou então é pelo facto de ter passado as últimas 24 horas com o Vicente.
-Do que é que a tua mãe estava a falar?
Só faltava mais esta. Sei exatamente o que a minha mãe quer que eu faça.
O pior? Pode ser a minha única opção.
-Nada de mais. É uma espécie de gala em honra do João, mas só vão os mais ricos e nós vamos por arrasto.
-Se é em homenagem ao teu irmão, é óbvio que têm de ir.
-Tu percebeste o que eu quis dizer.
Sentamo-nos num banco a olhar para nada em específico. Talvez porque não sabemos para onde olhar.
-Ouvi dizer que precisas de um par. Tens...algum?
Claro que ele ouviu.
-Não tenho, mas hei de arranjar. No ano passado fui com o meu ex-namorado mas este ano, óbvio que já não é opção.
O Vicente vira-se para mim e roça os dedos nos meus, muito lentamente.
-O que aconteceu para acabarem?
-Nada de anormal.-Minto.-Só não éramos muito compatíveis.
Não queria dar ao Vicente a satisfação de saber que fiquei infeliz por outro homem. Nem pensar.
-Estou a ver.-Ele pega na minha mão de uma vez por todas e olha-me nos olhos. Aquele olhar penetrante, que me faz querer mais e mais. Sei que não devia, mas o que posso fazer?- Eu vou contigo. Fingimos estar juntos,se quiseres, para não seres falada. Se quiseres a minha companhia, estou aqui.
-Eu não devia ter de ter um homem para as pessoas não falarem de mim.
-Encara isto, então, um convite de alguém que quer muito ir a algo que homenageia o seu melhor amigo.
-Mas tu não gostas nada de estar de fato, Vicente. Vai ser chato para ti. De certeza que nem queres ir, só estás a dizer que sim para não me sentir...
De repente a sua mão instala-se na minha face e o seu dedo no meu lábio inferior. Eu fecho os olhos para apreender o seu calor reconfortante.
-Leonor, olha para mim.
Eu obedeço, porque o que poderia fazer mais?
Poderias dizer que não.
-Eu quero lá estar. Por ti, pelo João e por mim próprio. Eu continuo aqui para ti e tu sabes bem disso, princesa.
-Não me chames isso...
-Porquê, Leonor? Eu já pedi desculpa e tentei explicar. Eu sei que o que fiz foi errado e egoísta e tudo o que quiseres chamar mas por favor. Deixa-me fazer isto. Não me impeças.
A minha mente fica turva, porque sinceramente, já não sei do que ele está a falar.
Percebo logo, quando a sua boca embate na minha e é um beijo feroz, intenso. Anos de separação que nos remeteram aqui.
As suas mãos passeiam pela minha face, pela minha nuca e pelas minhas costas, como se me quisesse tocar em todo o lado que não pode durante tanto tempo.
Chego-me mais para junto dele e, depois do choque inicial, entreabro os lábios para o receber a sua língua e o seu hálito quente que me transborda.
Algo em mim parece florescer, porque sinto um calor intenso no meu centro, algo que já não sentia tão intensamente há tanto tempo.
-Leonor, senti tanto a tua falta.-Ele geme e eu sigo-o, porque nada me parece melhor que isto.
Ele beija-me o pescoço e eu deixo,porque beijo o dele logo a seguir. Pequenos beijos e sigo para o maxilar. Ele prende-me cada vez mais a ele e ficamos numa posição estranha mas confortável.
Os arquejos não param e cada vez me sinto mais em chamas.
-Eu sei que também sentiste a minhas, princesa.
Aquela frase entra-me no peito e faz-se luz.
Sim, senti saudades tuas.
Mas o culpado foste tu.
Era o que devia ter dito, mas em vez disso paro abruptamente os beijos e afasto-me dele.
Os seus olhos de desejo fitam-me e estamos ambos sem fôlego.
A sua face corada representa-me, mas eu tive a decência de parar antes que fosse mais longe.
-Vamos para casa, Vicente.
-Leonor, não vamos fingir que isto não aconteceu, eu...
-Por favor, vamos embora.
Levanto-me e sigo caminho, seguida por ele.
-Leonor, eu amo-te. Não me faças isto.
-Tu é que começaste! Tu deixaste-me! Fazes ideia do que isso é?
-Eu preciso de te explicar tudo, por favor.
Já não o aguento ouvir. A raiva começa a brotar de mim e só me apetece gritar.
-Eu vou chamar um táxi, para mim. Encontramo-nos em casa, preciso de pensar.
-Mas eu...
-Chega.
Ele já não me seguiu, apenas com o olhar.
A partir desta noite tudo mudou. Outra vez.

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⏰ Last updated: Oct 24, 2023 ⏰

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