Capítulo 2

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Tive de sair de lá.
Ele não me viu e ainda bem. Não sei o que raio está aqui a fazer.
A última vez que o vi foi aqui, nesta mesma rua. Na noite em que o João morreu.
Lembro-me de ver o Vicente a abanar a cabeça e soube que o meu irmão tinha partido. Soube que o seu melhor amigo tinha partido.
Desde que acordei naquela cama de hospital que contei os minutos até o ver. Até que ele me abraçasse e dissesse que ia correr tudo bem, que estava em segurança. Mas esse momento nunca chegou.
Sei que passadas umas horas ligou à minha mãe para saber de mim. Mais nada.
Nessa noite não só perdi o meu irmão, bem como o meu namorado. A pessoa que melhor me entendia em todos os casos. Que se ria comigo, chorava, gritava e amava intensamente.
O meu Vicente.
O Vicente apareceu num dia qualquer à porta de nossa casa com uma bola de futebol debaixo do braço e chamou o Ben para ir brincar com ele. Fui eu quem abriu a porta e apaixonei-me ali. Com os meus sete anos conheci o que pensava ser o amor da minha vida, que vinha com um sorriso de orelha a orelha e com os olhos mais bonitos que alguma vez iria conhecer. Sem aviso.
Crescemos ali, os três,como uma família. Ele apenas tinha a avó que morreu um ano antes do acidente.Éramos tudo o que ele tinha.
No dia em que ele me beijou pela primeira vez, foi o meu sonho de princesas. Um beijo gentil, ou pelo menos o mais gentil que um rapaz de quinze anos pode dar, e depois deitámo-nos na relva de minha casa a olhar para as estrelas. O mesmo céu estrelado para o qual olhávamos sempre que tínhamos saudades um do outro.
Vivemos momentos às escondidas de todos, apenas nós os dois e quando fizemos amor pela primeira vez foi desajeitado, mas bonito. Tudo aquilo que desejava que fosse. Fomos aperfeiçoando nos três anos que se seguiram e uma paixão imensa emergiu, como um vulcão em erupção.
O meu irmão só descobriu passado um ano, quando finalmente o Vicente me convenceu de que não era mal nenhum estarmos apaixonados. A vivenciar algo que muitos nem têm a hipótese de experimentar.
Quando dissemos à minha mãe, não houve surpresas. Disse que sabia desde o primeiro minuto que estávamos destinados a ficar juntos. Tal como ela e o meu pai.
Agora, com ele a metros de mim tudo veio à tona.
Sim, é claro que tenho montes de perguntas.
Porque me deixaste no momento mais difícil da minha vida?
Porque não lutaste por nós?
Mas a verdade é que também sei que o João era o seu melhor amigo, o único irmão que teve. Nunca tive uma explicação, mas sei que a partir do momento em que ele viu o seu irmão morrer uma parte dele morreu também e por isso não o posso culpar.
Talvez um dia possa fazer-lhe todas as perguntas que desejo, mas não hoje. Apenas quando estiver curada.

Nós, de sempreWhere stories live. Discover now