Prólogo

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3 de março de 2021

Continuo a ver aquela poça de sangue cada vez que fecho os olhos, mesmo à minha frente.
O meu irmão está com um braço debaixo da mota e não faço ideia de onde está o outro. Não consigo ver nada, todo o meu olhar está turvo como se estivesse nevoeiro cerrado. Só consigo gritar pela minha mãe, pelo meu pai e até pelo pobre João que está neste momento rodeado do seu próprio sangue.
-João, levanta-te, por favor!- Estou a tentar equilibrar-me mas tenho a mesma sensação que teria se tivesse ficado embriagada ontem à noite. As minhas pernas cedem e caio no chão. Tento de novo, infinitamente, até que vejo as luzes azuis. Nenhum barulho, apenas luzes.-Mano, vieram salvar-nos. Levanta-te! Fala comigo!
O mundo, de repente, não passa de um borrão preto como se tivesse sido riscado repetitivamente por um lápis de carvão.
-O sujeito não respira.-Ouço ao longe um homem a dizer. Naquele momento só me consigo concentrar nas suas botas. São castanhas e têm atacadores. Banais.
Alguém me levantou e a terra girou de uma maneira que,agora, consigo ver tudo, até o que não quero.
O meu irmão completamente tapado com algo claro, talvez branco. A sua mota verde em pedaços no meio da Rua das Flores, que já nem se consegue distinguir a marca.
Não me permito chorar, porque se o fizer estarei a dar ouvidos à minha mente e a aceitar o que vejo.
Não pode ser. O meu irmão mais velho. O meu melhor amigo.
Cada vez vejo mais luzes e um amontoado de gente tenta espreitar através dos polícias.
Consigo perceber que estou dentro da ambulância, com qualquer coisa a tapar-me o nariz.
Olho uma última vez para o lado de fora e, finalmente, vejo uma cara conhecida.
O Vicente está ali e o seu olhar diz-me tudo.
O meu irmão morreu.

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