Capítulo 9

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Acordo com centenas de chamadas perdidas da minha mãe e uma dor de cabeça que não se aguenta.
Ligo-lhe ainda meio ensonada.
O telefone toca duas vezes e ela atende logo.
-Bom dia. mãe.-Percebo que ela está a chorar e levanto-me de repente.- Mãe, o que se passa?-Nada.-Mãe estás a ouvir-me?
-Sim, filha... Foi o teu avô... Ele teve um ataque cardíaco, não está nada bem.
Quando dou por mim, já me estou a vestir.
-Vou já para o hospital, ligo assim que chegar.
Eu e o meu avô sempre fomos muito chegados. Ele vivia na casa ao lado da minha e estávamos muitas vezes juntos. Negligenciei-o um bocado quando me mudei para o apartamento.
Já estou quase na porta, quando um Vicente ensonado e sem camisola me aparece à frente.
-Está tudo bem?
Penso se devo ou não dizer-lhe. A verdade é que o meu avô sempre adorou Vicente e vice-versa.
-O meu avô teve um ataque cardíaco, vou agora para o hospital.
O seu semblante de preocupação é genuíno e vem a correr ter comigo, na pouca distância que nos separava.
-Vou-me vestir, eu levo-te lá.
-Mas eu..
-Tentas ir na mota, Leonor. O autocarro vai demorar imenso.Tenta, pelo menos.
Ele desaparece para o seu quarto, sem fechar a porta e fico sentada no sofá.
Não consigo dizer que não. Graças ao meu avô.
Penso nos momentos com o meu avô. Quando ele me ensinou a andar de bicicleta, quando falou com Vicente sobre eu ser uma mulher para casar e quando me levava para todo o lado que eu lhe pedisse. Ele não pode morrer.
Ele fez o papel de pai que, por motivos do destino, nunca tive o prazer de conhecer.
-O Vicente sai do quarto disparado e pega em dois capacetes, entregando-me um.
Pego nele a medo, mas saímos da porta.
Já o Vicente, estava prestes a arrancar e não consegui. Tiro o capacete e saio da mota.
-Vicente, eu não consigo...respirar. Por favor. Não consigo.
-Leonor, tu consegues, não vai acontecer nada.
A minha respiração fica irregular e as mãos tremem-me e eu deixo cair o capacete. Ele parece não se importar já que tira o dele e agarra na minha cara com as duas mãos, abraçando-me.
-Respira, Leonor.Eu estou aqui.
Por momentos parece que a noite de ontem não existiu. Parece que os últimos três anos não existiram e estivemos sempre assim.
-Eu não sei se consigo.
-Temos tempo, amor. Tem calma, por favor não aguento ver-te assim.
Ele olha para mim e apercebe-se do que me chamou, mas não o contrario. Neste momento só consigo pensar no meu avô e na minha mãe, sozinha naquele hospital.
Ele pega-me na mão e leva-nos para o apartamento, pousando os capacetes no sofá.
-Vamos de Uber, não te preocupes vamos chegar a  tempo.
Enquanto o transporte não chega, falo novamente com a minha mãe ao telemóvel e garanto-lhe que vou a caminho.
-Ainda ninguém me disse nada. Os médicos andam para trás e para a frente mas ninguém trás notícias.
Vejo o carro a aproximar-se e apresso-me a desligar a chamada, depois de tentar convencer a minha mãe de que boas notícias virão.
A verdade é que o meu avô já tem 82 anos e não sei o que pode acontecer. Ele já teve um ataque cardíaco antes, mas superou. Espero que seja o mesmo desta vez.
No caminho eu e o Vicente vamos olhando um para o outro, por vezes de mãos dadas, até que eu as retiro lentamente e repetimos estes movimentos até chegarmos ao hospital.
-O José vai ficar bem, vais ver. O teu avô é das pessoas mais fortes que conheço.
Eles sempre tiveram uma ligação. O meu avô sempre o considerou um neto, mesmo antes de ele estar comigo.
Não sei porque, mas acredito nele. As suas palavras são sempre bem vindas e soam sempre a verdade.
Entramos de mãos dadas no hospital, sem saber bem o que vou dizer à minha mãe quando vir o meu ex-namorado depois de três anos.

Nós, de sempreOnde as histórias ganham vida. Descobre agora