Capítulo 5 - Scarlett

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Já faz duas semanas que voltamos para casa.

Duas semanas que estou longe dos meus amigos. Não que esse seja o maior dos problemas, já que não moramos tão longe. Moramos em um bairro vizinho mais afastado e mais... como eu posso dizer?

Mais seguro para nós. E quando eu digo nós, eu quero dizer meu pai e eu.

Não é fácil conviver com nós dois na época de lua cheia, ainda mais por estarmos longe dos nossos amigos. Nós dois temos medo de incomodar mandando uma carta pedindo ajuda à eles, mesmo sabendo que eles insistiriam para que mandassemos.

E a noite de lua cheia estava chegando.

Faltavam poucos dias praquela maldita lua se preencher. Pras pessoas normais pode ser algo muito lindo de se ver, tirar fotos e tudo mais. Mas para nós é tão ruim quanto qualquer outro bicho papão.

E o que mais me dói nisso tudo, não é nem ser licantropa, e sim a dor que meu pai sente ao saber que eu puxei essa parte dele. Ele se sente muito mal por ter passado isso pra mim, que ele sabia os riscos que tinha quando engravidou a minha mãe, mas pensou que haveria uma chance de eu ser normal.

Eu odeio não conseguir explicar pra ele que ele não tem culpa disso, e que ele não precisa se sentir culpado por algo que ele não tinha como controlar ou evitar. O gene do licantropo é forte, é fácil você ser lobisomem e fazer um filho lobisomem também.

Mas ele não entende que eu nunca o culpei, não culpo e nunca culparei ele por isso.

Bom, nossas noites de lua cheia geralmente são bem conturbadas. Temos um método para ficarmos bem. Somos supostamente da mesma matilha, então quando estamos juntos é bem melhor do que quando separados, já que uma matilha junta geralmente se ajuda. O problema é que não tem ninguém para nos controlar. Se quisermos caçar, por exemplo, nós vamos, já que é o instinto animal falando mais alto.

Na hora da transformação é muito doloroso. Meus ossos parecem crescer e se partir ao mesmo tempo, e não um de cada vez, mas sim vários de uma única vez. Minha cabeça dói, e muito, dói tanto quanto uma pessoa batendo uma bigorna na sua cabeça sem parar. Minha respiração fica falha, eu perco o controle de mim mesma, até que...

Eu volto ao normal.

Todas as coisas que eu faço como lobisomem são apagadas da minha memória. Uma hora eu estou me transformando ainda consciente, e outra hora eu estou no chão de novo com meu corpo normal e já é dia. É realmente como se uma parte da minha vida fosse apagada da minha memória e eu odeio isso. Odeio não lembrar o que eu faço. Meu pai diz que quando ele se transforma, ele até lembra de flashes do que aconteceu. As vezes não é tão específico, mas ele consegue lembrar. Por que eu não consigo?

Da última vez que conversamos sobre, ele me disse que foi treino, que ele tentava manter a consciência mesmo estando transformado. Eu já tentei fazer isso diversas vezes, mas nenhuma dá certo. Não me lembro de nenhum flash como lobisomem, nem sonho.

Queria saber o que eu faço sem ter que ouvir pela boca de outras pessoas. Eu não sei se viro algo ruim, algo tranquilo, talvez eu até seja agressiva e eu não saiba. Será que na minha forma de lobo eu sou totalmente o contrário do que na vida real?

Eu realmente queria saber.

Tem uma floresta perto de casa, e esse é um dos motivos de morarmos aqui. Sempre vamos para a floresta e marcamos um ponto ali, o ponto que temos que achar quando voltarmos à forma normal. Geralmente esse ponto é algo visível, como uma luz ou algo parecido, pra que a gente chegue até lá.

Foram poucas vezes que a gente se destransformou separadamente. Essas vezes devem ter sido por procurarmos uma caça ou por qualquer outro motivo que um lobo se separaria de sua matilha.

Marotinhas - Livro 2Where stories live. Discover now