07. Céu Azul.

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[NOTAS]: E não é que teve mais de uma atualização por ano? Quem é vivo sempre aparece e apesar de morta por dentro e sofrendo tendinite crônica, meus dedos ainda funcionam :D

Converso mais com vocês nas notas finais, mas só pra avisar: tô com conta de escrita no insta. Faço live escrevendo, conteúdo das fics, solto spoiler, dou recados e tal. Sigam lá! @ soliloquiopierrot

Ah, e vou estar na BIENAL do RJ todos os dias mês que vem! :)

Boa leitura!

#MorangoCanhoto

***

"Esqueci de mim em um verão distante, tão remoto que não posso tocar. Me deixei ir num mar de pérolas do qual nunca fui me buscar."

Samanda, 2020.

Sábado, 09h34.

As panquecas da mamãe tinham gosto de lar.

As manhãs das suas folgas eram, embora raras, muito tranquilas. Eu gostava de me esquecer das rotinas, poder acordar surpreso com o cheiro forte de café, ouvi-la falar ao telefone com minha tia e pensar com um alívio particular àquela constatação: "Mamãe está de folga hoje".

Levantava com mais ânimo quando sabia que panquecas cheirosas e café fresco me esperavam à mesa. Acordar com a certeza de que mamãe estava em casa era, também, acordar com a certeza de que eu não pularia refeições, de que sairia da cama no horário apropriado e teria a quem recorrer durante o dia, ainda que "recorrer" não parecesse a palavra certa para descrever o conforto de ter alguém em casa sem necessariamente precisar de alguém ali. Ou talvez precisasse. Mas não falávamos sobre isso entre os Park. Não abertamente.

Mamãe, no entanto, sempre pareceu saber de coisas que não sabíamos.

Park Nabi não era excessivamente doce e calorosa, sua carreira ainda estava intacta e podíamos contar nos dedos as vezes em que disse as três palavrinhas mágicas. Que era dedicada a quem e àquilo que amava, ninguém poderia duvidar, mas minha mãe nunca foi o protótipo inexequível da maternidade perfeita.

Havia uma distância entre ela e o mundo lá fora, como se não estivesse nem cá, nem lá, mas numa categoria inapreensível e bastante curiosa. Me perguntava se era assim com todas as mães — provavelmente não. Nem tudo, nem todos, ela costumava dizer. Cresci usando desse aval para, às vezes, ser exceção — não fosse para bem, para mal. Mas essa parte, é claro, mamãe nunca me ensinou.

Gostava de pensar que ela estava nos preparando ao seu modo, um tanto distante e desengonçado, mas nos preparando, ainda assim. Para o quê, eu não sabia — para o trabalho, para a faculdade, para um ônibus atrasado ou um coração partido. Nem tudo, nem todos, mas de algum modo sempre algo, sempre alguém. Deveríamos nos resignar a um certo relativismo com a mesma calmaria com que esperar sempre algo, sempre alguém, como as coisas eram antes de nascermos, e como seriam até após desaparecermos.

Mamãe comunicava muitas coisas sem quase nunca articulá-las; suas panquecas quentinhas eram seu jeito de dizer que se preocupava. Ela nunca transformaria isso em palavras, parecia temer alguma coisa se as dissesse — ou talvez só não soubesse como, mas isso não era possível, pois mamãe sabia de tudo —, como se o que sentia em nada correspondesse àquilo que podia dizer. Mas estava tudo bem; ela era muito boa com panquecas e isso era suficiente.

Não era?

— Estão cheirosas — repeti o mesmo elogio que ela já havia escutado milhares de vezes antes só pelo prazer de vê-la sorrir e concordar.

VERMELHO DO CAOS • jjk + pjmOnde as histórias ganham vida. Descobre agora