CINEMATOGRAFIA COREOGRAFADA

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existem poucas coisas elásticas, fervorosas e rosadas como um coração branco encaixotado dentro do cinema perverso das emoções que resista sem bicos & penas, como se girar, girar e girar te tirasse do estado cíclico de bailarina de porcelana.  e, nesse filme tosco sobre quem come e quem sobrevive, eu sabia que porcelanato nos dentes irremediavelmente me levaria na direção do que sempre ansiei de você. 

durante a metragem dos segundos, espelha-se adiante o vulto inconfundível do dente-de-leão que você não soprou. isso, de certa forma, me agrada, porque sei o quão bestial é guardar piadas violentas no fundo da carteira como se você fosse uma foto emoldurada da sua bailarina favorita. mas, por outro lado, não consigo evitar o sentimento certeiro de que a boca da baleia não gosta de projeções dançantes e delicadas. tudo que é bonito o suficiente para ser cobiçado se destrói em razão da deterioração de coisas que nunca podemos ser. a inveja, esse conglomerado enorme de fauna e flora exibe carnívoras intenções, projetando a simbologia de uma mordida ambiciosa e invejosa. pergunto-me se, do fundo do coração, eu seria capaz de assistir sem me incomodar, ainda que sublime, sutilmente, sem que a voz da minha cabeça me peça para te retirar da vitrine e enfeitar seus cabelos com o resto dos dentes.

você dança e eu tento te acompanhar. penso que o rolo do filme passando entre suas entranhas reflete todo o medo que eu tenho de nunca aprender a dançar como você. e esse medo desenfreado de falta de pertencimento me esquiva de suas verdadeiras intenções. sei que o amor que sentimos pelas coisas que fazem de nós o que somos se espectraliza na forma frondosa de uma coreografia operacional, daquelas que seu coração abocanha quando sente falta da solitude sem machucar. um tipo de anseio jovial, irracional e um tanto quanto inocente, daqueles que te fazem enxergar fagulhas de esperança após um inverno muito longo e cruel.

mas, por sua escolha própria, vejo uma sina diferente da qual sempre esperei no túmulo. é como se a morte anunciasse sua chegada pisando no calvário adocicado de canções sobre amor verdadeiro e bonanças passageiras e sei, simplesmente sei, que é você dançando descalça, distante o suficiente da ideia de morrer para que possa me levar junto e me fazer replantar essa amarga veemência desesperançosa, essa vivência desesperada de tocar o oceano sem medo de ser levada por ele quando tudo que sua ínfima essência representa reflete as ondas espumantes da praia, uma ideia esponjosa se formando na ponta do ventre.

desejo poder terminar esse filme ao seu lado sem derrubar o resto do estardalhaço e que minha risada se pareça com o som inconfundível dos cacos da própria existência se espalhando pelo chão do cinema como se tudo tivesse sido coreografado. 


primveri

quando decidem ficar ao seu lado e se embalar na música mesmo quando você já foi o pior tipo de pessoal possível.

‒ da sua espectadora favorita. ♡

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