O LEÃO BOLHOSO NA COVA DOS VAGALUMES

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ligo o fogo alto e repouso a panela com água no bocal do fogão. em dois minutos, suas bolhas coloridas visitam a solidão do meu coração.

eu nunca sei se o teletransporte membranoso fagulha na realidade perversa da existência ou se você é capaz de me arrancar da terra apenas com a força do pensamento. ligo para os médicos, sessão de terapia às 15h45 e sei que estou prestes a fazer besteira mais uma vez.

por isso, não olho através da janela, recolho os pés ao chinelo e espero que a minha bioluminescência vergonhosa possa guiar seu caminho para casa.

cavernosa como um espaço preenchido pelo vazio estalacto da alma, deixo que suas garras sem corte deslizem até atingir o final, patas fincadas no solo desnutrido e a minha vontade burra de te oferecer flores para o almoço. entendo que sua fome assassina não vem da vontade desesperada de ter carne borrachuda entre os dentes e sim daquele lugar longínquo onde repousa o medo e a singularidade de ser sem gaiolagem. pelas brechas do espaço profundo que existe na beira da minha garganta, ofereço singelos vagalumes mal ajambrados na esperança de despertar toda a malemolência violenta que se projeta das suas costelas lactantes. lembro de onde vem essa força desmedida, de onde caminhou todos os espíritos pecadores que se derrubam no campo de batalha em nome da arte sem medo daquela culpa avassaladora de ser o que são.

e, então, por tão somente saber que você faria a mesma coisa, mergulho minhas mãos na água borbulhante.

queimaduras feiosas de terceiro grau cobrem as falanges dos dedos e eu agradeço por lembrar como é bom poder ser espalhafatosa sem me arrastar pelo chão até minha própria cova iluminada.

violentamente, assim que a água esfria, você escala pra fora da caverna com a boca cheia de vagalumes.

❁ 

haerintense

por todas as vezes que você se alojou na minha cova fedida e mesmo assim resistiu, como eu sabia que resistiria. 

‒ da sua horda de vagalumes mais brilhante. ♡

BLO(W)SSOMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora