Capítulo 09

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Betagem por:Arabella_McGrath





Na manhã do dia seguinte, Tia Lu encontrou o frasco de remédios na lata de lixo, ela ficou muito nervosa. 

Ela não conseguia entender quais palavras estrangeiras estavam impressas nele, mas entendia que algo estava errado. Então pesquisou a tradução das palavras impressas no frasco. Luciana correu até meu quarto e bateu apressadamente na porta, inquieta para perguntar o que realmente estava acontecendo. Mesmo que fossem doze horas do dia, eu ainda estava dormindo. 

— Qual o problema, Tia- — Rapidamente levantei-me para abrir a porta, mas antes que pudesse terminar a frase, vi o frasco de remédio nas suas mãos e lentamente fechei meus lábios, entretanto, meu olhar estava calmo.

 — Filho, que doença você tem? Diga-me. — Tia Lu respirou fundo e segurou suas lágrimas. — Vamos, me diga e eu te acompanho ao médico. 

Ela veio até mim, pretendia segurar minha mão, mas gentilmente evitei seu toque. Tia Lu olhou para mim com espanto, era a primeira vez que eu a rejeitava. Luciana, pouco a pouco percebeu o porquê de toda vez que perguntava se eu estava bem, desviava do assunto e criava desculpas sem sentido, dando um fim ao diálogo. No entanto, dessa vez não seria capaz de mentir para ela.

Ela começou a me persuadir, olhou para meu corpo magro, esguio ao ponto que parecia ter apenas ossos sobrando, dando a impressão de que dissiparia no ar a qualquer segundo, o que a deixou em pânico: — Oscar, eu sei que você está muito doente. Se você continuar assim, eu não sei... 

— Luciana... — a chamei pelo nome, parei de falar por um tempo e continuei. — Eu estou doente e não vou ficar bem. 

Tia Lu se tornou mais uma das poucas pessoas com quem estava disposto a compartilhar minha história.

Não importava se falasse ou não agora, afinal, os dias estavam passando, e parecia que o passado era baixista. Tinha que fazer um pouco de esforço para contar desde o início com riquezas de detalhes, então a história ficou longa e procrastinada.

Tia Lu não podia evitar chorar, dizia que sou estúpido e desajeitado, que não conseguia ver que tinha dado todo o meu coração para Dom. Disse que se ele soubesse, ele estaria aqui comigo passando meus últimos meses juntos e felizes, ouvindo isso eu quis rir, ela realmente acreditava nisso. 

Dizem que rir de seus problemas é uma forma de curar suas dores, e não muito depois você estará curado. Não me aplicava em nenhuma dessas situações, sentia-me bem agora. Estava suportando a situação de cabeça erguida e com coragem. 

A mulher chorou e disse que Dom não valia o que eu fiz por ele, e então eu pensei em transe, se valeu a pena ou não. Dom era de fato a última pessoa que queria reencontrar, que não pude me declarar e que não conseguia tirar do meu peito, mas não esperava que o final fosse ser tão insuportável, que nosso relacionamento fosse de mal a pior com o passar do tempo.

Olhando para a mulher chorando, senti pena, e sussurrei para que tia Lu por favor parasse de chorar.

— Meu filho. Como conseguiu suportar? Sua coragem é abundante. — A mulher balançou a cabeça em lágrimas e me abraçou bem forte.

Era estranho, mas não conseguia chorar, nesse momento a lembrança do meu pai veio e suas palavras ecoaram na minha memória. Ele costumava dizer: “Homens não choram, pare de chorar” ou “Não chore como maricas, está proibido”. Era um homem rígido demais e de mente ambígua. À vista disso, não chorei mais, não poderia.

Enquanto outras crianças iam passar o tempo com suas famílias aguardando ansiosamente para jantarem juntos, eu passava minhas noites sozinho no meu quarto. Meus pais eram pobres, minha mãe ficava em casa, meu pai trabalhava, nossa situação melhorou um pouco quando fomos para o interior, contudo, grande parte da renda era gasta pelo meu pai com outras mulheres e cigarros. Muitas vezes, ele chegava irritado, gritava com minha mãe. 

Ocasionalmente ele agia com violência. Em uma dessas noites em particular, ele chegou em casa rabugento. Mamãe estava doente. Meu pai não quis ouvir e ordenou para que fosse preparar seu jantar — me ofereci —, mas ele recusou. "Homens não chegam perto do fogão, apenas mulheres têm essa função", foi o que disse. 

Minha mãe foi preparar o jantar. No momento que ele passava perto do fogão, a água escaldante despencou sobre ele, meu pai não se conteve e golpeou ela. Ele foi ao extremo com insultos psicológicos, pegou seu canivete e a agrediu. Naquela fatídica noite, permanecia em silêncio, tremia debaixo dos lençóis até que os gritos e estrondos diminuíssem. Fez-se uma das piores noites que já vivi.

Foi a última vez que derramei lágrimas — quando tinha oito anos — pensando nisso agora, era como uma lembrança de outra vida.

Já que não tinha palavras para consolá-la, lentamente a abracei e ela me apertou mais ainda no seu abraço de urso.

— Não conte para ninguém sobre meus problemas. — Considerei cuidadosamente minhas palavras. — Eles não precisam saber, estou feliz e não tenho como aturar o olhar de solidariedade de outros. — Quando Luciana ouviu isso, suas lágrimas fluíram mais ferozmente.

Não tinha nenhum último desejo, então disse para ela que continuasse agindo como antes, todavia, já não importava para mim se fizesse isso ou não. 

 — Não tenho nenhum último desejo, mas… no ensino médio tinha o sonho de me graduar e viajar para conhecer lugares exóticos pelo mundo. — Embora não haja mais a chance, mas... — Talvez fosse bom que levem minhas cinzas para o mar. — Comecei a imaginar que minha alma nadava até os confins do mundo através do mar, uma ilusão distante.

Tia Lu não disse nada, e lentamente enxugou as lágrimas no canto dos olhos.

 — Vou cuidar de você, meu querido — ela disse. — Farei o meu melhor! Se você quiser, vou atrás de um médico e juntos vamos até o exterior para cuidar da sua saúde, o que acha?

Fiquei surpreso com o que a mulher sugeriu, mas também me senti agradecido: — Tia Lu…

Franzi meus lábios, pensava no que Luciana disse para mim e cheguei a conclusão de que ela era tão gentil comigo. Ela me tratava muito melhor do que Dom me tratou.

A Década Depois Da PrimaveraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora