- Se serve de consolo, ele também não tá radiante, ainda que - Torceu o nariz, fazendo careta - Cheire melhor que você agora.

- Ele tá em casa? Preciso de um banho e claramente o banheiro daqui vai estar ocupado - Apontou para mim, arqueei as sobrancelhas sorrindo levemente.

- Não, ele não tá - E me olhou disfarçadamente, arregalando um pouco os olhos como um recado para que eu não o desmentisse.

    Olivier agradeceu e saiu, no segundo em que a porta se fechou, o encarei indignada. Miguel levantou as mãos, em rendição, e lutou contra um sorriso enquanto fazia sua melhor expressão cínica de inocência.

- O que foi? Eles não podem se evitar pra sempre - Deu de ombros.

- Eu sei que não - Me dei por vencida, era um fato que a situação atual estava afetando todos nós. Não era exatamente fácil ter que nos dividir porque eles evitavam estar no mesmo ambiente e não posso dizer que o clima dos jantares em família era exatamente agradável.

   Apesar do tempo que levei para ver Milo em vez de Miguel, foi mais rápido ver quem Milo era. Não passou despercebido o fato de que ele não costumava olhar para as garotas, não como os garotos geralmente olham, não como seu irmão me olhava. Antes de Oli, eu apenas presumi que Castello 2 não tinha achado a garota certa, mas foi só vê-los juntos na ilha que soube que havia algo diferente.

   Diferente não é ruim, ao contrário do que Padre Francisco constantemente insinuava e Maíra fazia questão de repetir. Milo não era ruim ou errado, como os sermões diziam. Era apenas diferente. Uma pena que ele não parece concordar.

[...]
   Me joguei na cama depois de secar os cabelos recém lavados, meu corpo inteiro parecia ceder finalmente ao cansaço. Miguel me abraçou, beijando o topo da minha cabeça. Rolei na cama, ficando em cima de seu braço e ainda sentindo seus dedos se enrolarem nos meus fios loiros, em um cafuné. Observei atentamente os detalhes de seu rosto, percebendo agora o quanto ele havia mudado, crescido. E por um segundo, doeu. Doeu porque a consciência repentina de que somos adultos agora e não crianças correndo pela praia, me fez ter a noção de quanto tempo perdemos.

- Ta pensando em que? - ele me olhou, um sorriso ladino brilhando em seu rosto.

- Por que me deixou? - O pouco de mágoa que escapara em minha voz foi o suficiente para que seu sorriso desaparecesse e, diferente de mais cedo, ele não retornou no segundo seguinte.

- Eu não deixei você - Nem mesmo ele acreditava no que acabara de dizer.

Miguel me encarava, os dedos, agora inquietos, se afastaram lentamente da minha cabeça. A dor que eu sentia, era também refletida nos olhos do homem à minha frente.

- No começo, quando Milo pareceu confuso quando chamei ele pelo seu nome, imaginei que era só uma brincadeira sem graça sua, mas então dias se passaram, e semanas, meses e ANOS... - Sentei, me livrando do abraço que ainda me aquecia - E o Bartô até me pediu pra mentir, acredita? E eu tive que entrar em toda aquela encenação. Eu odiei ele por te tirar de mim, odiei seu pai e enfim te odiei, te odiei por me abandonar sozinha ali, quando você prometeu que não o faria, se lembra disso?

- Lembro - Sua voz era um fio.

- Então, Miguel, por quê? - Eu não estava com raiva. Parte de mim apenas precisava da resposta que atormentou minha mente por anos, parte de mim precisava confiar nele de novo, confiar que ele ainda estará aqui amanhã.

- Bárbara, era meu irmão. Eu não podia perder ele... - Sentou de frente para mim, os olhos atentos esperando conseguir ler minha mente.

- Mas ele podia perder você? E eu? E seu pai? - Senti meus ombros pesarem menos, como se todos esses anos eu apenas precisasse dizer - Quando era você aquele dia, na ilha, eu fiquei tão feliz e aliviada, mas levou menos de três minutos para ficar com raiva... E eu sei que você teve motivos, Miguel, mas eu não consigo evitar pensar em te perder de novo e em como eu não quero ter que sentir tudo aquilo de novo.

- Você não vai me perder - Suas mãos tocaram meu rosto, acariciando as bochechas e tocando com uma suavidade maior as minhas cicatrizes.

- Você já disse isso uma vez - Sussurrei.

- Bárbara, eu estou aqui hoje. Eu te amei ontem, eu te amo hoje e, mesmo não sabendo se vou estar aqui amanhã porque, porra, ninguém sabe... Eu sei que ainda vou te amar amanhã.

- Eu acho que vou te amar amanhã também - Fiz bico e ele riu, enxugando minhas lágrimas.

- Eu sinto muito por ter ido - Me beijou, em seguida me abraçando com força. Quando percebi, estávamos deitados novamente, emaranhados naquela cama confortavelmente pequena.

   Relaxei meu corpo sentindo o cansaço se transformar em sono e, aos poucos, dormir em meio aquele carinho que tanto senti falta, dormir sem precisar do álcool, ainda que uma pequena, bem pequena, parte de mim sentisse falta de como eu me sentia quando a bebida estava no meu organismo, mas posso sobreviver sem que essa parte vença.

E se... - O Segredo na ilha RPGWhere stories live. Discover now