capítulo 9

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Duas e vinte e nove da manhã, marcava o meu relógio ao lado da cama. Fazia bem mais de uma hora que eu estava deitado apenas vendo o ponteiro do relógio passear por entre os números. E muito mais tempo que a katerina estava fora de casa.

Ficar deitado apenas observando o relógio não adiantava de nada, e no fundo eu sabia que não importava quantas horas passassem o sono não iria vir.

Me rendendo a insônia, levantei da minha cama e sai para o corredor, não tinha percebido o quando meu quarto estava quente até que o ar frio do corredor me encontrou. Voltei pra dentro do meu quarto e peguei um moletom que estava na cadeira da escrivaninha.

Desci as escadas apenas para encontrar mais frio, agora com uma briza leve que entrava de alguma das janelas, cheguei na cozinha e descobri da onde vinha o frio que se instalou pela casa.

Fechei a janela em cima da pia, e peguei uma pequena panela no armário, depois de enche-la de água coloquei no fogão. Abri o armário e achei o que precisava, a caixa de chás. Apoiei ela na bancada e abri encontrando um misto de ervas e aromas que me surpreendeu.

Um barulho de passos do lado de fora chamou minha atenção, abri a primeira gaveta da bancada e passei a mão embaixo dela, assim que meus dedos encontraram com o metal gelado, puxei o revólver para junto do meu corpo, como previa ele estava carregado.

A porta se abriu lentamente, a bala já estava na agulha e minha mira na brecha que aumentava. Uma katerina toda ensanguentada se revelou pelo pouco de luz que saia da cozinha e encontrava a escuridão da madrugada, seu cabelo, assim como seu rosto e sua roupa, estavam cheios de sangue que já começava secar em sua pele.

Respirei fundo e coloquei o revólver em seu lugar de descanso novamente. Ela passou por mim, jogou sua espada na bancada sujando tudo de sangue, e abriu a geladeira atrás de uma cerveja.

- você tá bem? - perguntei cauteloso

- um arranhão aqui, outro ali, mas estou melhor do que nunca - ela respondeu se sentando em uma banqueta uns três passos de mim.

Terminei meu chá e me encostei na pia observando ela, um corte profundo cruzava sua coxa de um lado ao outro, um arranhão passava por sua bochecha me deixando em dúvida de quanto do sangue era dela e quanto era de outra pessoa.

- você vai precisar de bem mais do que cerveja pra dar uns pontos aí - apontei com o queixo em direção a perna dela

- a dor é necessária - a resposta foi rápida enquanto ela observava o mesmo local que eu - como saberíamos que estamos vivos se não sentirmos dor

O olhar dela recaiu sobre a espada me fazendo olha-la também, algo não sairá como o planejado, porém conhecendo ela, nunca saberíamos o que aconteceu de errado.

- não é melhor você ir tomar um banho? Tirar um pouco desse sangue e remendar sua perna? - ela sorriu de lado e virou um gole da cerveja em sua mão

- eu nem sei mais, tipo tá tudo tão estranho - mais um gole antes dela olhar pra mim - eu já nem pensava mais nisso, no nossos trabalhos, na nossa família, e como em um passe de mágica tudo voltou ao normal como se nunca tivéssemos saído daqui.

- talvez parte de nós nunca tenha saído daqui - eu entendia o que ela estava sentindo, mas também não sabia explicar

- eu vou precisar de ajuda - ela disse depois de algum tempo em silêncio - acho que dar pontos é um pouco mais difícil do que puxar um gatilho - Ela sorriu e eu retribui, nós dois sabíamos que ela conseguiria muito bem dar uns pontos sozinha

- vou ir tomando um banho, te encontro no meu quarto, você conhece o caminho - uma piscadela passou por um de seus olhos antes dela sumir na escuridão da casa com as pernas cambaleando.

Terminei meu chá, lavei a caneca e deixei no escorredor. Subi os degraus até o corredor dos quartos e parei na biblioteca na parte de baixo de uma das prateleira estava as malas brancas. Peguei uma delas e caminhei de vagar até o quarto da katerina, e como esperava ela ainda estava no banho.

Puxei a cadeira da penteadeira dela pra perto da cama, na mesinha de canto abri a mala. Uma diversidade de remédios, gazes, agulhas e soro se encontravam dentro dela.

Katerina saiu do banheiro com um conjunto de shorts e regata de cetim preto. De vagar ela se aproximou e se sentou em sua cama na minha frente, outros cortes pequenos passavam por suas pernas expostas, mas o corte principal havia voltado a sangrar.

Coloquei as luvas e peguei um pacote de gazes esterelizadas, embebi uma das gazes em soro, peguei a mesma com uma pinça e passei por dentro do corte arrancando um suspiro de katerina.

Joguei a gaze utilizada fora e peguei uma nova, dessa vez encharcando-a com antisséptico e passei novamente dentro do corte, fazendo katerina respirar fundo e recuar a perna.

- é melhor eu aplicar uma anestesia pra dar os pontos, vai doer bem mais do que passar um antisséptico

- eu aguento pode passar a agulha - e como era esperado a teimosia ainda continuava correndo por suas veias

Peguei uma segunda pinça, a agulha de sutura e comecei meu trabalho de fazer Zig Zag até que os dois lados do corte se juntassem.

Depois de alguns pontos e dela puxar levemente a perna algumas vezes, senti sua mão encontrar o meu cabelo, seus dedos passearam levemente por entre as mechas.

Limpei novamente a ferida depois de suturada e fiz um curativo simples apenas colocando uma faixa por cima para não ocorrer nenhuma infecção. Joguei o material usado na pequena caixa amarela que estava em um canto da mala, e guardei o restante das coisas.

Suas mãos passaram do meu cabelo pelo meu rosto até a ponta do meu queixo dando uma leve inclinada até que meus olhos encontrassem os olhos dela.

Desejo, tudo o que eu vi em seu rosto, e não nego que o meu rosto devia estar um espelho do seu. Os lábios entre abertos dela era como um convite, um convite que eu não poderia aceitar.

Alguma porta se abriu no corredor fazendo-me sair do transe, em questão de segundos já estava ao lado da porta sem nem me dar ao trabalho de levar a mala branca comigo.

- boa noite cigana - foi a última coisa que disse antes de sair disparado para o meu quarto.

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