IV. Lia

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Nada na vida podia ser mais delicioso de que um banho de sol no gramado. A luz irradiava até mim como se pulsasse e respirei fundo antes de continuar andando sob aquele calor bem-vindo. Eu não era uma pessoa que odiava completamente o frio, mas eu sentia meu humor mudar significativamente quando o tempo não estava bom, assim como vinha acontecendo nos últimos dias.

Notei vozes ao longe, como em uma discussão, e o gramado da frente de casa se transformou. Olhei para trás e o modesto castelo dava agora lugar para um bando de árvores altas de copas maciças e cheias de folhas. O sol não mais brilhava tão forte no topo do céu e senti meu estômago afundar. Alguma coisa estava errada, eu sabia no fundo do peito, aquela sensação de problema, aquela ansiedade louca na boca do estômago.

Alguma vozinha no fundo da minha mente me dizia que eu conhecia aquele lugar, tinha certeza disso. Havia alguma familiaridade em tudo aquilo, como se já tivesse visitado antes esse mesmo cenário, essa mesma mudança repentina. A discussão ali perto me instigou a aproximar-me e me dei por vencida ao explorar o território. Fui devagar, passo por passo, o som dos meus pés amassando a grama pálida, e espiei as vozes por trás de uma árvore de tronco largo. Meu coração errou uma batida e encarei assustada enquanto Cecília discutia avidamente com uma mulher de cabelo loiro claro, disposta de um modo a me mostrar apenas suas costas. Havia um homem alto ali perto também e ele tentava separar as duas antes que pulassem uma em cima da outra.

Cecília parecia muito irritada, e vi de relance um brilho pulsar e sumir logo em seguida, perto de suas mãos. Meus pensamentos estavam embolados e minha mente parecia letárgica pelo susto da cena à minha frente. Primeiro que nunca imaginei ver Cecília com meus próprios olhos e não em uma pintura ou desenho antigo. Segundo que normalmente ela era retratada como uma mulher muito calma, sempre alerta e genuinamente controlada. Mas o que via ali diante de mim era... uma Cecília muito irada e prestes a perder o controle.

Notei seu rosto por um instante e percebi o quão jovem ela parecia. Por um segundo senti um certo reconforto. Ela era mostrada sempre tão certa e recatada, pelo menos eu poderia usar esse argumento no futuro quando minha mãe me xingasse por todo meu desalinho. Estava no sangue, aparentemente, e sorri com a ideia distante de que Cecília poderia ser tão geniosa quanto eu era. De fato, livros e retratos sempre passavam longe de retratar completamente a realidade; eu já sabia muito bem disso, já que lia de vez em quando algum absurdo publicado nos jornais sobre minha família.

Não tive tempo de continuar com o pensamento. Primeiro senti, muito mais do que vi, quando a moça tentou alcançar Cecília, puxando seu braço com força, exasperada por ela ter lhe dado as costas, e murmurando alguma coisa de forma rápida em seu ouvido. Foi então que Cecília se virou e a luz violeta ondulou dela como em uma explosão. O efeito foi tão forte que senti o calor ao meu redor, completamente cega, como se tivesse aberto a porta de um forno gigante e me jogado lá dentro. Senti meus pulmões em chamas e uma mão agarrar meu braço.

Gritei, e Demétria pulou de susto. O quarto surgiu de repente sob meus olhos, a cena de antes se desfragmentando como em um truque de mágica.

—Quer me matar do coração?! — inferiu, assustada. A garota me olhava com olhos esbugalhados.

Meu coração ainda retumbava em meus ouvidos, mas me acalmei aos poucos, sentindo um pouco de tontura ao me sentar.

—Tudo bem com você? Quando entrei no quarto, parecia que você não estava respirando — comentou a garota, pegando em minhas mãos, parecendo preocupada.

Agarrei-me àquelas mãos quentes, sentindo o mundo voltar aos eixos.

—Tu-tudo bem — falei, parecendo incerta se estava mesmo. — Foi só um pesadelo — comentei, fingindo convicção.

A Magia do Tempo - Os três Reinos - Livro IWhere stories live. Discover now