IX - Anne

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Realizar aquele tipo de tarefa me pareceu algo totalmente esquisito. Era como se estivéssemos violando um momento de intimidade familiar, mesmo que fosse de mentira, só para parecer verdade.

Chegamos à casa de Augusta quase de noite. Escurecia rapidamente e o pai delas não estava em casa. Juliana me explicara que seu pai trabalhava como médico no hospital mais movimentado da cidade e que ele possuía horários meio imprevisíveis, mas que deveria chegar em instantes do plantão. Fomos convidadas para jantar e Augusta pediu três caixas gigantes de pizza, que não tardaram a chegar.

Tentamos esperar pelo pai delas, mas depois de um tempo, a fome venceu a paciência e devoramos uma pizza e meia sem esforço. Já abarrotadas de comer até explodir, o pai de Juliana chegou, cansado e igualmente com fome. Se sentou conosco e por mais cansado que parecesse, se mostrou cordial e atencioso durante a conversa à mesa.

—Sente saudades do Brasil? — perguntou à Lia, que bebericava seu suco de laranja distraída.

Lia percebeu que ele dirigira a ela a pergunta e esperou que ele repetisse novamente a frase que não ouvira.

—Ah sim, fazia tempo que estávamos planejando uma viagem pra cá. Faz algum tempo que queríamos visitar alguns tios aqui no país — respondeu Lia com facilidade.

—Quanto tempo planejam ficar? — perguntou o homem, mordiscando a pizza, ainda interessado naquele assunto.

—Voltaremos pra Portugal daqui há alguns dias, ainda temos que resolver algumas questões com um imóvel que minha mãe decidiu vender. O locatório atual quer terminar o contrato de aluguel e meus pais decidiram que vender seria uma dor de cabeça menor — respondeu, voltando a bebericar seu suco.

Lia possuía uma grande naturalidade para inventar histórias improvisadas que não eram verdade. A mentira vinha fácil a seus lábios e fazia parecer que ela não dedicava esforço algum, como se já tivesse pensado naquilo previamente.

— Encontraram um comprador semana passada e viemos pra cá finalizar algumas documentações. Aproveitei para vir junto e matar a saudade daqui — completou, sorrindo delicadamente para o homem.

—E vocês, sentem saudades do Brasil? — perguntou se dirigindo a mim e a Demétria.

Eu, péssima em fingir por qualquer coisa que fosse, engasguei-me com a água e comecei a tossir freneticamente, sem conseguir respirar direito. Demétria, que estava ao meu lado, bateu em minhas costas com força, e depois de se contentar, voltou-se para o pai das meninas.

—Ah sim, faz uns dez anos que não pisávamos em solo brasileiro — respondeu Demétria, olhando-me de esguelha, enquanto eu assentia sem responder nada que estragasse a conversa. — Nada se compara ao clima e a comida desse país — articulou, totalmente no controle da história.

Queria eu conseguir mentir com tamanha naturalidade de Lia e Demétria. Nem falar a verdade direito eu conseguia, principalmente na frente de estranhos.

—Que legal — comentou, terminando a sua terceira fatia, limpando a boca com o guardanapo.

Depois de um segundo de silêncio, Lia lançou um olhar disfarçado para Augusta e perguntou onde ficava o banheiro.

—Fica à direita do corredor, na primeira porta — respondeu a mulher, engolindo em seco e apertando as mãos em seu guardanapo de linho.

—Como foi na escola hoje? — O homem continuou a conversa, mirando Renata. — Conseguiu terminar o trabalho de História a tempo?

Renata assentiu, pondo-se a falar de como o professor tinha sido extremamente incompetente ao passar um tema que ele nem tinha explicado direito e pedido um trabalho redigido à mão, que tinha lhe garantido uma dor tremenda no pulso, que ainda doía quando ela mexia.

A Magia do Tempo - Os três Reinos - Livro IWhere stories live. Discover now